segunda-feira, 26 de abril de 2010

Médicos antigos

“Olhai por todos esses homens de branco que se propõem a salvar vidas e a prevenir doenças” – São Lucas

Fiz o meu curso de Medicina, na escola da Praia Vermelha da Faculdade Nacional de Medicina da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, antiga capital do Brasil. O prédio da escola era de uma arquitetura belíssima. Templo da Medicina Brasileira (1918 -1978) foi demolido pelo desinteresse de uma geração. A Universidade mudou-se com a capital federal para Brasília. Muitos chamavam a nossa escola de Matriz numa alusão irônica às outras designadas de Filiais.

A festa de conclusão do meu curso de graduação foi no Theatro Municipal, há meio século. Naquela época existiam no Brasil apenas vinte e três escolas médicas, que formavam médicos. Muitos dos meus colegas naquela noite histórica estavam no palco e as suas noivas nas galerias. Após este ato solene retornaram às suas origens, aptos ao casamento e ao exercício da profissão. Devido as minhas deficiências de aprendizagem, permaneci ainda cinco anos me preparando para o retorno à Cuiabá.

Gostaria de ter sido contemporâneo e colega de Lucas, o médico evangelista. Lucas era chamado pelos seus clientes de “meu amado médico”. Como faz falta para o exercício profissional da Medicina, a confiança do cliente em seu médico, e do médico em seu paciente. Sem esta cumplicidade, acho impossível o atendimento médico de qualidade.

Esta é uma realidade que todos nós vivenciamos, e nos sentimos impotentes para revertermos essa situação tão perniciosa à sociedade, e que permite o aparecimento do técnico em doença.

Aqueles médicos de mais de meio século, estão em extinção, pelo processo natural da vida terrestre com o seu finito. A Medicina humanitária exercida por Lucas, nosso colega e padroeiro, com sua dedicação piedosa e amor ao próximo, em especial aos mais pobres e humildes, deveria permanecer sempre viva nas mentes e corações de todos os médicos. Mas, os ensinamentos de Lucas parecem que a cada dia ficam mais esquecidos. O nosso padroeiro só é lembrado nos mega eventos em outubro, quando o calendário comercial reserva um dia para os médicos comemorarem o seu dia.

Como seria bom, se a ciência médica fosse colocada ao alcance de todos e os seus médicos amados pela população!

Gabriel Novis Neves
12/03/2010

*Publicado simultaneamente no
www.bar-do-bugre.blogspot.com

quinta-feira, 15 de abril de 2010

PARTOS

Justa e merecida a homenagem prestada à várzea-grandense Emília Soares pela comemoração dos seus noventa e dois anos de nascimento. Parteira, foi responsável por mais de mil partos naturais. Aprendeu o difícil ofício com sua mãe - também parteira –, acompanhando-a em suas andanças desde os doze anos de idade. Casou-se com Manuel Pinto de Arruda, tiveram treze filhos, oito dos quais nasceram pelas mãos de sua mãe. Os quatro últimos nasceram em suas próprias mãos com o auxílio do marido – na rede. O marido observava e entregava-lhe os materiais necessários: tesoura esterilizada no fogão de lenha, toalha limpa e um pedaço de fio para amarrar o cordão umbilical. Após o parto a placenta era enterrada no quintal, e o umbigo, quando caía, jogado em cima do telhado. Muita gente famosa nasceu com ela, inclusive médicos.

Li com avidez a entrevista que ela deu ao Jornal A Gazeta. Comovente! Uma heroína! E existem muitos desses heróis anônimos, observando os nossos valores atuais! Dona Emília deveria ser reconhecida pela Universidade com o título de Doutor, ou Professor Emérito, pelos serviços prestados à medicina, pelo seu exemplo de solidariedade humana, hoje tão distante da formação do médico.

A entrevista foi uma verdadeira aula sobre parto. Hoje, em clínica privada, só nascem crianças de parto normal se a gestante se internar em período expulsivo. Quase cem por cento nascem de parto operatório – cesariana. Os alunos de medicina, e muitos médicos jovens, nunca assistiram, e até confundem parto normal com parto natural. O parto normal é realizado com acompanhamento médico, durante o qual é administrado algum tipo de medicamento. Dona Emília e a sua mãe sempre realizaram o parto inventado por Deus: o parto natural feito em casa, sem o uso de qualquer medicamento.

Os modernosos são contrários ao parto natural, e condenam o parto domiciliar, mas fazem campanha e discursos a favor do “Parto Humanizado” - tão do agrado do Ministério da Saúde que, inclusive, repassa incentivos financeiros para essa prática!

Dias atrás conversei com uma colega que faz Medicina nos Estados Unidos, país dos especialistas e da melhor Medicina do mundo. Perguntei-lhe em que área atuava. “Faço obstetrícia domiciliar”, respondeu-me. A seguir quis saber sobre o perfil das suas clientes. “Gente com muito dinheiro, artistas famosas, escritoras, poetas, professoras universitárias, modelos consagrados”- esclareceu-me. “E o custo?” – indaguei. “Caro – ela respondeu -, pois é montado na casa da gestante um mini hospital, - mais para dar segurança à gestante do que pelo parto em si – um fenômeno natural como a própria Natureza.

Um exemplo recente de parto natural foi o da famosa brasileira Gisele Bündchen. E, não me venham dizer que ela parindo naturalmente em casa e amamentando é um péssimo exemplo! Também não creio que essa mulher riquíssima e famosa, que poderia fazer uma cesariana em qualquer hospital do mundo e com a melhor equipe médica, estivesse desinformada a ponto de dar um mau exemplo e correr risco de morte materno-infantil. Nessas condições o parto natural feito pela Dona Emília é o indicado.

Gosto e admiro os vencedores. Dona Emília, pela sua trajetória de vida, passa a pertencer a minha galeria de exemplos a serem seguidos. Obrigado, professora, pela aula.

Gabriel Novis Neves
11/04/2010
* Publicado simultaneamente no www.bar-do-bugre.blogspot.com