Frei Leonardo Boff conta uma história ocorrida com ele. Relata que todo dia, durante o trajeto entre o seu alojamento e a universidade em que fazia um doutorado na Alemanha, era acompanhado por um cachorro vira lata. Ficou encasquetado tentando entender o que fazia aquele cachorro o seguir todo dia, apesar de achar que era uma boa companhia. Um dia, no meio do percurso ele parou. O cachorrinho fez o mesmo. Continuou a caminhada - seu fiel acompanhante também. Novamente parou, e agachado, indaga ao cachorro: “- você quer ser gente?” O animalzinho colocou o rabo entre as pernas e sai em desabalada carreira. Nem para trás olhou. Impressionado com a cena o teólogo pensou: “nem cachorro quer ser gente!”
Waldick Soriano, ícone da música classificada como brega, fez grande sucesso nos anos sessenta com a música “Eu não sou cachorro não” – (humilhado, desprezado). Esta frase, inserida dentro da letra da música, com certeza, serviu para muita gente externar sua dor de cotovelo, ou simplesmente, seu modo de vida.
Há meses escrevi um artigo sobre câncer de pele. Mato Grosso hoje é um Estado de alto risco para essa doença. Temos um clima desértico e uma população, especialmente a rural, de brancos com olhos azuis - e DNA europeu.
Mesmo os que moram em Cuiabá e trabalham em escritórios refrigerados, são aconselhados pelos dermatologistas ao uso do filtro solar – é preciso se proteger do calor até a chegada ao trabalho. Imaginem agora a nossa gente do interior! Quase todos os espaços rurais são ocupados pelos trabalhadores do agro negócio. Os filtros solares usados pelos patrões custam caro, mas eles têm dinheiro para comprar. Os seus empregados dependem da Farmácia de Alto Custo.
Certa ocasião, como sempre, não havia na dita farmácia alguns medicamentos essenciais à manutenção e preservação da vida de muitos pobres, por exemplo: filtro solar. Para justificar essa falha inadmissível, as autoridades responsáveis divulgaram amplamente pela imprensa que a responsabilidade era dos médicos que estavam receitando em demasia os filtros solares. Para essas autoridades, são produtos supérfluos e caríssimos! Na realidade os médicos estavam apenas fazendo um trabalho de prevenção do câncer de pele nos trabalhadores mato-grossenses.
Hoje, no café da manhã, assistindo a um jornal televisado, escuto a manchete: “já existe protetor solar para cachorros, eles precisam de protetor solar durante o verão”. As lojas especializadas estão praticamente com os seus estoques acabando!
Agora pergunto: pertencemos à sociedade do cachorro do Frei, que não quer ser gente; ao do vira lata maltratado do cantor ou ao do grupo do cachorro que usa filtro solar?