Até a segunda metade do século XX, existiam pouquíssimos médicos em Cuiabá. Alguns estudantes, ao concluir o ensino médio, tinham a oportunidade de continuar os seus estudos nos grandes centros, principalmente no Rio de Janeiro.
A maioria dos que saíam voltava, porém, alguns ficavam enganchados por lá. Eu fiquei ausente por doze anos e, no meu retorno, senti-me quase como um estranho.
Os meus colegas que ficaram por aqui estavam com as suas vidas estruturadas. Muitos deles casados, com filhos e lutando pela sobrevivência.
A chegada de um novo médico em Cuiabá, naquela época, era um acontecimento.
Paulo Zaviasky comandava, às 21 horas, na rádio Voz do Oeste, o programa de maior audiência da cidade, chamado de Grande Jornal Falado.
Na noite da minha chegada, ele abriu o noticiário com a seguinte manchete: "Chega a Cuiabá sumidade médica!"
De vergonha, quase retornei ao Rio de madrugada.
Demorei mais do que os meus colegas para retornar. Não me sentia capacitado para ser médico do interior, o generalista, especialista em todas as áreas do conhecimento médico.
Quando aqui cheguei, meus colegas de turma já tinham telefone fixo, casa, consultório, carro, emprego e ganhavam um dinheirinho. Alguns eram reconhecidos pela população como bons médicos.
Certa ocasião, a sogra de um colega meu de quarto de pensão e de faculdade, pedia, a esse meu colega, para que ele falasse que também operava:
- Fala fulano, que você é bom.
A sogra de outro colega, que havia chegado há dois anos, ficava na porta da rua contando às suas amigas os detalhes das cirurgias realizadas pelo seu genro.
Essa era a minha Cuiabá de ontem e os personagens dessa história estão vivos.
O hábito de falar das suas vidas, de suas alegrias e sofrimentos, está no DNA desta gente generosa, simples e solidária, que é o cuiabano.
Entretanto, estou preocupado com o silêncio de muitos, diante de tantos acontecimentos inaceitáveis para nós, cuiabanos.
Que a nossa gente perdeu a auto-estima, tenho dito repetidas vezes nos meus escritos. O cuiabano vale hoje um DAS. É triste, mas é a verdade.
Mas há silêncios mais preocupantes para mim. Nenhum "representante" deste Estado se posicionou, muito menos falou, sobre o fenômeno do enriquecimento rápido de um personagem público, o ainda ministro Antonio Palocci.
Por quê? Tá certo o que aconteceu? Nossos eleitos (não nossos representantes) acham um fato normal, e ganham tanto quanto, ou mais, que o capitão do time atual do Planalto?
Muito estranho isso acontecer na terra em que, falar é um hábito cultural. É muito melhor opinar nesses momentos do que adotar o silêncio, que aqui na nossa terra não tem uma tradução favorável aos mudinhos.
Quando isso acontece, a sabedoria popular diz que, "o silêncio é sinal de rabo preso".
Ninguém vai seguir o conselho da sogra do médico, e falar que ficar rico assim é feio?
Falem senadores e deputados! Não passem a impressão de que estão sentados em cima de seus rabos.
Falem! Porque, por aqui, que eu saiba, para ganhar dinheiro tem que se trabalhar muito. E consultor que ganha muito em pouco tempo, tem outro nome.
Fale gente! Nós somos diferentes.
Por favor, falem!
Gabriel Novis Neves
20-05-2011