segunda-feira, 23 de julho de 2012

Medicina moderna


É a que se pratica nos melhores centros médicos do país. O paciente é transformado em um número - entre senhas, computadores, máquinas, robôs, macas, corredores, filas, ambulatórios, consultórios, laboratórios, centros cirúrgicos, UTIs.
Nesse momento desaparece o paciente ávido por alguém que se preocupe com a sua história de vida. Fragilizado, ouve vozes de comando programadas por aparelhos, quando necessita de vozes humanas que conheceu ainda na vida intrauterina, por volta da vigésima semana de gestação.
As vozes que ouve para orientá-lo nos procedimentos são robóticas, sem nenhuma emoção – que só a voz humana é capaz de transmitir.
O diagnóstico atual de uma doença orgânica é feito pelos exames complementares, como se eles pudessem entender um olhar de sofrimento ou produzir uma sedação pelo contato com as mãos do paciente.
Geralmente, na medicina moderna, o paciente não possui um médico e, tampouco, hospital, fatores tão importantes na reabilitação dos enfermos.
O conhecimento médico é abastecido diariamente por tantas informações novas, que o saber ficou microfracionado e o paciente precisará ser atendido por uma infinidade de especialistas.
É comum um paciente grave ser atendido por uma série de especialistas, só que nenhum deles é o responsável pelo paciente.
O idoso é o que mais padece por falta de um médico, embora frequente um grande número de especialistas.
Não é só o doente que sofre com o atendimento da medicina atual.
O médico dos tempos atuais está prensado entre a ‘educação continuada’, fornecida pela indústria farmacêutica nos consultórios e ambulatórios médicos, como pelo próprio ensino universitário, que informa sobre as milagrosas novas drogas. São os professores universitários que em sala de aula transmitem ao aluno de medicina as excelências das suas pesquisas aos laboratórios das multinacionais.
Os cursos de medicina não são mais procurados pelos jovens que desejam exercer a medicina da área básica: saúde pública, clínica geral, cirurgia geral, clínica pediátrica e ginecologia e obstetrícia.
Diante dessa pequena foto da nossa medicina moderna, inacessível à população de baixa renda, e maioria neste país, convido a todos a uma reflexão sobre o nosso futuro em tempos de eleições.
O modelo vigente é para os ricos.
Os pobres jamais terão acesso às conquistas caríssimas da ciência médica. Terão que se contentar com a justificativa de que falta somente gestão para melhorar a saúde deles.
Nunca falarão em recursos tecnológicos como os oferecidos pelo hospital Sírio Libanês e Albert Einstein - só para citar dois exemplos.

Gabriel Novis Neves
18-07-2012

* Publicado simultaneamente no www.bar-do-bugre.blogspot.com

quinta-feira, 12 de julho de 2012

O DOENTE PSIQUIÁTRICO


Assim que iniciei minha vida profissional em Cuiabá fui designado para administrar o Hospital Colônia de Alienados do Coxipó da Ponte.
Era o único hospital existente no Estado, ainda não dividido, para atender pacientes de um território com mais de um milhão e duzentos mil quilômetros quadrados.
Pelo nome oficial do hospital estadual, senti o preconceito com relação a esses pacientes, chamados de loucos.
O hospital possuía apenas dois médicos, e ninguém sabia o número de internados.
Era uma verdadeira prisão de seres humanos. Os pacientes em surtos psicóticos eram colocados em celas e acorrentados.
Mais de quarenta anos são passados desde aquela época. O Estado foi dividido e, mesmo com o seu território menor, a situação dos pacientes piorou.
Além dos discursos, das promessas e das placas de inauguração, não vejo nenhuma providência concreta por parte do governo para minorar o sofrimento do doente psiquiátrico, família e amigos.
O nosso Estado tem um déficit alarmante de psiquiatras, tanto no interior quanto na capital.
Um atendimento mais humanitário a esses pacientes envolve investimentos em recursos humanos multidisciplinares e espaços físicos adequados. 
Sem esse binômio, é impossível falar em tratamento humanizado na saúde pública mental.
Recentemente o presidente Obama fez uma reestruturação da saúde pública nos Estados Unidos para iniciar em 2014.
Ele constatou que nos presídios americanos existe mais de meio milhão de pacientes psiquiátricos necessitando de ajuda.
Com o fato agravante de que as instituições carcerárias não estão preparadas para esse atendimento.
O caso do doente mental em nosso Estado é problema da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
Os nossos loucos são “tratados” pior que os animais. Estes, pelo menos, têm associações atentas para quaisquer maus tratos sofridos por eles.
O louco só é lembrado quando, abandonado pelos órgãos públicos, sociedade, família, entra em crise psicótica e comete um ato chocante.
Recentemente tivemos alguns casos por aqui. Esses doentes mentais foram conduzidos a um presídio sem as mínimas condições para prender sequer um assassino “normal”, que dirá para entender o surto psicótico de um pobre ser humano desassistido.
Em médio prazo não vejo nenhuma providência governamental para cumprir a Constituição Federal, que assegura saúde a todos, com medidas para, pelo menos, minorar esse sofrimento - que não é apenas do paciente, mas de toda a sociedade.
Nossa preocupação no momento é com as obras atrasadas da Copa do Mundo, e sem recursos financeiros para a sua conclusão.
Faltam psiquiatras em Cuiabá, especialmente na rede pública de saúde. Sobram OSS e outras decorações estatísticas, para tentar encobrir o que vemos perambulando pelas ruas da cidade.
Doentes correndo risco de morte e cidadãos sujeitos a serem vítimas de um surto psicótico.
Pergunto: diante desse silêncio criminoso, a quem apelar?
“Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos.”

Gabriel Novis Neves
01-05-2012

* Publicado simultaneamente no www.bar-do-bugre.blogspot.com

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Brincalhão


O atual Ministro da Educação do Brasil é um grande brincalhão. Em recente entrevista em Brasília anunciou a necessidade de aumentar o número de médicos no país.
De acordo com o brincalhão de plantão do MEC, a meta é acrescentar, no mínimo, quatro mil vagas até 2020.
De acordo com o Conselho Federal de Medicina, existe hoje no Brasil um percentual de 1.95 médicos por mil habitantes. O ministro atual de Educação acha um absurdo o Brasil possuir menos médicos do que a próspera república Cubana, onde o percentual é de 6.35 médicos por mil habitantes.
Que o diga sobre a excelente medicina da ilha democrática do Caribe, onde o médico possui uma remuneração mensal de menos de cem dólares, o Presidente Coronel do Pacífico.
Para ajudar os médicos da ilha, na sua segunda cirurgia grave de terapêuticas pinturas ideológicas, foi pedida ajuda a um grupo de cirurgiões da Rússia - segundo agências internacionais de notícias.
O Coronel só não veio tratar no hospital oficial dos homens de poder e dinheiro no Brasil, porque o hospital de São Paulo não aceitou as imposições do serviço de segurança do Coronel.
Todas as autoridades brasileiras sabem que a nossa medicina é uma das melhores do mundo, e não sei de ninguém que tenha saído daqui para tratar na terra do modelo de saúde do MEC.
“Até as pedras de Cuiabá” sabem que o grande problema do Brasil não é a falta de médicos, mas sim, o de uma política de interiorização do médico. As universidades têm obrigação de formar médicos para o interior, também, e o governo de dotar o interior de condições mínimas para fixar esse profissional.
Estes dois quesitos não existem e, tampouco, sinais de ações prioritárias para aquele que seria o maior projeto social do governo. Para que isso aconteça tem que haver decisão política, e, não, aumentar um sério problema hoje existente - uma superpopulação de médicos nas grandes cidades com especialidades urbanas.
Há necessidade de um programa de cargos e salários, como outros ministérios realizam para fixar um promotor, juiz, defensor público, polícia federal, servidores da receita federal e tantos outros que poderão trabalhar com garantias, sem perseguição política e a certeza de transferência por méritos para centros maiores.
Aumentar a quantidade de médicos no Brasil, sem visar o atendimento no interior, é uma temeridade. O risco que se corre é de uma queda na qualidade do ensino e, o que é pior, de um agravamento do problema social do médico das grandes cidades.
O Brasil precisa de muita seriedade para enfrentar os seus graves problemas sociais, e, não, de brincadeiras, como esta de aumentar o número de médicos para superarmos Cuba.

Gabriel Novis Neves
29-05-2012


* Publicado simultaneamente no www.bar-do-bugre.blogspot.com

segunda-feira, 14 de maio de 2012

PRODUTIVIDADE MÉDICA


É uma terminologia recente essa história de produção de serviços médicos.
Acredito que o termo, produtividade médica, tenha surgido no período auge do prestígio dos economistas na década de setenta, quando o bolo teria que crescer para depois se distribuir à população faminta.
A produtividade médica tinha uma meta. O médico teria que atender, em um período de quatro horas de contrato, dezesseis pacientes.
Geralmente, a divisão era mais ou menos assim: atendimentos de primeira vez, consultas de retornos e alguns acompanhamentos especiais.
O importante era atender os dezesseis pacientes no período estabelecido. Muitos colegas conseguiam atingir a sua produtividade em cinquenta minutos. Deixavam o posto de saúde, pois o seu trabalho estava cumprido, e eram avaliados como excelentes profissionais pelos gestores da saúde – grande parte deles, leigos no assunto.
O colega que cumpria as quatro horas de contrato no posto, e atendia de três a quatro pacientes, era mal visto pelo pessoal do posto e tido como preguiçoso pelos gestores.
Na produtividade médica, nunca é considerada a qualidade, e, sim, a quantidade de pacientes atendidos. O fator produtividade médica, até hoje em vigor e com direito adquirido de permanecer para sempre, é um dos fatores que não deve ser esquecido quando se avaliam a péssima qualidade dos serviços médicos, especialmente os públicos.
Um dos municípios mato-grossenses retrata bem a situação da saúde pública no Estado. Apenas para ficar registrado, este município, no momento, recebe especial ajuda financeira do governo do Estado para a saúde pública; tem uma ONG mantida pelo Estado para administrar o seu hospital Metropolitano, por absoluta incompetência dos gestores municipais; provocou, por falta de condições de trabalho e atraso no pagamento dos seus médicos, a maior debandada de demissões na história do município, além de projetá-lo nacionalmente com um especial do JN no Ar, mostrando a verdade da saúde de urgência e emergência para todo o Brasil.
No município em questão o PSF é uma enganação e as policlínicas não funcionam por falta de estrutura, de medicamentos e de médicos. Esta é outra das realidades escondidas.
Certo dia, o responsável pela saúde pública naquele município, ao ser questionado por jornalistas do porque da calamidade em que se encontra esta área de atendimento social, respondeu com esta pérola: que tudo estava praticamente resolvido, só faltava a colaboração dos médicos que não cumpriam com a sua produtividade – vale aqui repetir: médicos com salários atrasados e trabalhando em ambientes inadequados.
Entenderam o que é produtividade médica para um gestor comercial?
Eu respondo: apenas uma nota fiscal com o número de pacientes pobres atendidos.

Gabriel Novis Neves
27-04-2012
* Publicado simultaneamente no www.bar-do-bugre.blogspot.com