terça-feira, 25 de outubro de 2011

Medicina

O governo brasileiro acaba de resolver (!) o problema da falta de médicos em áreas de extrema pobreza e periferias.

Após inúmeras reuniões em Brasília, veio a decisão: “Residência médica com bônus”.

Essa gente, como sempre, tem ideias geniais. No entender deste médico do interior, que por longos anos percorreu os grotões, não só do nosso Estado, como de grande parte da Amazônia, esse programa lançado pelo MEC - Ministério da Saúde, não vai prestar.

A proposta do governo para a qualificação desse profissional de saúde, que irá prestar socorro aos mais necessitados do país, é simplesmente vergonhosa.

Em outras áreas de trabalho, o governo adota condutas corretas com relação aos profissionais de nível superior que irão para as pequenas cidades: eles são escolhidos por concursos públicos e amparados por um estatuto de cargos e carreiras, com salários dignos.

Exemplo deste fato encontra-se na carreira dos magistrados.

No caso dos médicos, o governo oferece bônus na prova de Residência Médica de até 20%!

Todo brasileiro morador das áreas pobres e os estudantes de medicina, sabem o que é necessário para fixar um médico nessas regiões.

É imprescindível, em primeiro lugar, que o governo invista o mínimo necessário para fornecer condições de trabalho a esses profissionais.

Recentemente, vimos no Estado mais rico desta nação centenas de ambulâncias novas e super equipadas, paradas no pátio de uma garagem.

Os municípios, em sua grande maioria, têm necessidade dessas viaturas, mas, não têm condições financeiras para usufruir desse verdadeiro presente de grego doado pelo governo federal.

O tão falado Programa Saúde da Família (PSF), em muitas prefeituras, inclusive das capitais, como a nossa, não funciona com a necessária resolutividade por absoluta falta de recursos de toda ordem.

Certa ocasião, conversando com um prefeito, ele me disse que iria triplicar o número de PSF. Queria saber a minha opinião. Disse-lhe que, se todos os PSF fossem fechados, do jeito como estavam funcionando, ele precisaria de um grande investimento na mídia para avisar do fechamento dos mesmos. O PSF, com raríssimas exceções, atinge seu objetivo.

Contratar médicos para trabalhar em locais que não ofereçam o mínimo de retaguarda necessária para o bom desempenho do profissional, é jogar dinheiro fora. A principal dela é a laboratorial.

Sem ela fica difícil, e muitas vezes impossível, a simples hipótese diagnóstica. Sem falar da falta rotineira dos medicamentos essenciais.

O bônus oferecido pelo governo em um exame tão concorrido como é o de Residência Médica, não me parece uma atitude ética.

Considero uma punição aos alunos que farão o mesmo exame em condições desiguais, em um projeto que todo mundo sabe que não vai dar certo.

Fixação do médico no interior não se faz com bônus no concurso da Residência Médica e muito menos com um contrato temporário por dois anos de trabalho.

Repito: é enganosa a contratação de um médico em locais sem as mínimas condições de trabalho, com salários não estimulantes, sem nenhuma garantia sobre o futuro profissional desse jovem e, o que é pior, tendo que atender quem o político mandar.

Essa é a realidade dos nossos grotões, tão necessários à manutenção do poder.

O Brasil precisa de simplicidade nas ações governamentais e, não, desses espetáculos estatísticos.

O Brasil possui cerca de cento e oitenta escolas de medicina. Os médicos, para se fixarem no interior, esperam do poder público, além do que foi dito acima, um plano de cargos e carreiras.

Como disse recentemente a presidente, quando lhe cobraram soluções para resolver a situação catastrófica da saúde pública no Brasil, ela respondeu que lhe apontassem os recursos.

Continuou dizendo que aqueles que dizem que o problema da nossa saúde pública não é de recursos e sim gestão, são demagogos e mentem.

A fixação de médico no interior passa por esse gargalo.

Residência com bônus? Fogos de artifícios.



Gabriel Novis Neves

04-09-2011

* Publicado simultaneamente no www.bar-do-bugre.blogspot.com

terça-feira, 18 de outubro de 2011

O FUTURO DA MEDICINA

Mesmo sendo o mais otimistas dos otimistas vejo com muita preocupação o futuro da medicina no nosso país.

O governo federal há tempos jogou a toalha com relação à precária situação da saúde pública do Brasil.

O Ministério da Saúde ficou restrito à distribuição de camisinhas no Carnaval, e a divulgar as centenas de milhares delas fornecidas.

Os autores dos programas federais são burocratas apadrinhados que, das suas salas refrigeradas, fazem o planejamento da saúde desta nação de mais de oito milhões de quilômetros quadrados.

Muitos desses sábios nunca tiveram o mínimo contato com o funcionamento prático do melhor sistema que criaram no papel: o SUS (Sistema Único de Saúde).

Os resultados são sentidos nos municípios. A base do sistema ideal proposto pelo SUS estava todo centrado no reforço e terminalidade da rede de atenção primária de saúde com as suas ações permanentes no atendimento a população.

Só funciona no papel, e durante a campanha política.

O Programa Saúde da Família, como está implantado, é um plano inútil e não atende às aspirações da população. É mais um posto de triagem de pacientes para as policlínicas e para o nosso sempre salvador, apesar dos pesares, Pronto Socorro.

Para explicar os problemas do subfinanciamento para a saúde as nossas autoridades jamais se pronunciaram e jogam a culpa numa tal de gestão!

Frequentemente eu ouço os nossos barões dizendo: “o problema da saúde não é falta de dinheiro. É problema de gestão”, e logo mostram os culpados.

Médicos não são consultados para o preenchimento de cargos eminentemente técnicos, que são ocupados por cotas do programa político - loteamento do poder.

O bom secretário de Saúde é aquele que se anula e executa as mesquinharias dos poderosos.

Durão, o governo não usa da sinceridade e da lealdade nesse momento e afirma para a população via Informe Publicitário, que resolverá todos os problemas de saúde do Estado a preços módicos.

Importaram uma empresa de Pernambuco - dizem com problemas técnicos, para a gestão dessa diabólica matemática de resultados sem recursos, sem investimento no treinamento dos profissionais de saúde, e a sua adesão à aventura proposta.

Afirmam que este Estado não terá mais problemas hospitalares graças a essa milagrosa e competente Organização Social de Saúde - a famosa OSs.

Acontece que não é isso que vemos diariamente pela TV sobre a saúde na terra do frevo.

Finalmente a nossa desfalcada rede privada que, apesar de ser tratada como vilã pelas nossas autoridades é a única procurada por eles, como pacientes.

Só em Cuiabá, nos últimos dez anos, o governo fez sumir (!) cerca de mil leitos.

A população da ex-Cidade Verde aumentou, assim como a de todo o Estado, que acaba procurando os serviços médicos da capital.

Conversar com o governo do Estado sobre a conclusão do Hospital de Clínicas, iniciado em 1983, e com a obra em esqueleto, nem pensar.

Não sei a razão, mas os nossos governantes têm traumas quando o assunto é hospital. Este assunto também, só é lembrado nas campanhas políticas.

As grandes unidades de exames laboratoriais já não pertencem mais a este gigante Estado.

A investida agora está centrada na aquisição dos nossos hospitais de alta complexidade.

E o governo do Estado deu o grande exemplo entregando a sua rede de hospitais regionais, e outros, às OSs.

Diante desse rápido quadro, dá ou não para ficar preocupado com o futuro da nossa medicina?

Esta é uma fotografia real da nossa medicina atual.

E os futuros médicos que estão iniciando agora a outrora charmosa e reverenciada profissão de médico?

Com certeza serão escravos de poderosos grupos econômicos, cujo único objetivo é o lucro financeiro, em detrimento da qualidade dos serviços prestados.

Numa segunda etapa, as universidades fecharão os seus cursos de medicina por falta de alunos.

Melancólico futuro da nossa medicina, se tudo continuar a ser continuidade neste país da Copa.


Gabriel Novis Neves

15-10-2011

* Publicado simultaneamente no www.bar-do-bugre.blogspot.com

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Jubileu de prata

Foi em um dia de 1808 que o sonho começou em Vila Bela da Santíssima Trindade - Mato Grosso precisava de uma boa escola de Medicina.

Esperamos mais de um século e meio para ver esse sonho realizado – em 1970, a escola de Medicina foi criada pelo governo do Estado.

Os autores desse fato histórico, que revolucionou a Medicina cuiabana, ainda estão vivos, com saúde, e vivendo na mais perfeita harmonia.

Após a criação da Fundação Universidade Federal de Mato Grosso, em 10-12-1970, a nossa escola foi federalizada, embora o seu funcionamento só fosse acontecer quase uma década depois.

Foi o curso de maior período de gestação da nossa UFMT. Tudo passou tão rápido! Hoje os seus fundadores pertencem à categoria dos idosos, na sua maioria, e os alunos/as da 1ª turma estão em plena maturidade.

Estou com o convite para o Encontro de 25 anos da 1ª Turma de Medicina - UFMT. Uma foto dos dezoito primeiros médicos nascidos no Campus do Coxipó, e aquela frase referindo-se aos pioneiros - “A primeira ninguém esquece!”

Em meu consultório tenho um troféu que ganhei dessa turma, colocada ao lado do título que recebi da UFMT de Professor Emérito. Como é um documento histórico, publico, após 25 anos, o ofício que recebi da 1ª Turma de Medicina da UFMT.

“Professor Gabriel, da concepção, que já se faz quase longe, ao delivramento da 1ª turma de médicos da UNISELVA, que se avizinham muitas críticas e desesperanças se lhes foram tributadas. Muita oposição manifesta ou velada, se lhe foi imposta. Todavia, o seu determinismo, o seu faro de futuro, a mão-férrea de administrador prevaleceram sobre aqueles e outros óbices. Temos consciência de que não foi fácil. Hoje o curso de Medicina desfruta da confiança de muitos e representa a esperança daqueles - que não podem se graduar fora deste Estado. A sua decisão, a par da sua pertinácia e capacidade de persuasão, viabilizaram o curso médico na Terra de Rondon. Somo-lhes gratos. Muito lhe devemos. Sabemos que não fez tudo sozinho. Mas, o mérito da implantação lhe pertence. Aproxima-se o termo. O concepto é viável. Está maduro e insinuado, aguardando apenas a expulsão. Mas há que se denominá-lo. Assim, temos a honra de comunicá-lo de que o seu nome foi escolhido para denominar a 1ª Turma de Medicina da UFMT. Sem outro particular para o momento e convencidos de termos feito justiça, apresentamos-lhes os nossos protestos de apreço e consideração.”

Assina o documento histórico de 25 de junho de 1986, o então aluno representante dos formandos, Cyríaco Fortunato.

São passados 25 anos, e os formandos de Medicina tinham razão. O sonho foi concretizado e a nossa escola de Medicina em graduação é uma das melhores do Brasil. Os primeiros graduados, por mérito e muito trabalho, pertencem hoje à elite da Medicina brasileira.

Meus jovens colegas: esperamos 178 anos para formar os primeiros médicos, e 193 anos para a comemoração, tardia, das Bodas de Prata da 1ª turma de Medicina da UFMT.

“O tempo não para e, no entanto, ele nunca envelhece” - Caetano Veloso.

Gabriel Novis Neves

09-09-2011

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sábado, 4 de junho de 2011

FALA

Até a segunda metade do século XX, existiam pouquíssimos médicos em Cuiabá. Alguns estudantes, ao concluir o ensino médio, tinham a oportunidade de continuar os seus estudos nos grandes centros, principalmente no Rio de Janeiro.

A maioria dos que saíam voltava, porém, alguns ficavam enganchados por lá. Eu fiquei ausente por doze anos e, no meu retorno, senti-me quase como um estranho.

Os meus colegas que ficaram por aqui estavam com as suas vidas estruturadas. Muitos deles casados, com filhos e lutando pela sobrevivência.

A chegada de um novo médico em Cuiabá, naquela época, era um acontecimento.

Paulo Zaviasky comandava, às 21 horas, na rádio Voz do Oeste, o programa de maior audiência da cidade, chamado de Grande Jornal Falado.

Na noite da minha chegada, ele abriu o noticiário com a seguinte manchete: "Chega a Cuiabá sumidade médica!"

De vergonha, quase retornei ao Rio de madrugada.

Demorei mais do que os meus colegas para retornar. Não me sentia capacitado para ser médico do interior, o generalista, especialista em todas as áreas do conhecimento médico.

Quando aqui cheguei, meus colegas de turma já tinham telefone fixo, casa, consultório, carro, emprego e ganhavam um dinheirinho. Alguns eram reconhecidos pela população como bons médicos.

Certa ocasião, a sogra de um colega meu de quarto de pensão e de faculdade, pedia, a esse meu colega, para que ele falasse que também operava:

- Fala fulano, que você é bom.

A sogra de outro colega, que havia chegado há dois anos, ficava na porta da rua contando às suas amigas os detalhes das cirurgias realizadas pelo seu genro.

Essa era a minha Cuiabá de ontem e os personagens dessa história estão vivos.

O hábito de falar das suas vidas, de suas alegrias e sofrimentos, está no DNA desta gente generosa, simples e solidária, que é o cuiabano.

Entretanto, estou preocupado com o silêncio de muitos, diante de tantos acontecimentos inaceitáveis para nós, cuiabanos.

Que a nossa gente perdeu a auto-estima, tenho dito repetidas vezes nos meus escritos. O cuiabano vale hoje um DAS. É triste, mas é a verdade.

Mas há silêncios mais preocupantes para mim. Nenhum "representante" deste Estado se posicionou, muito menos falou, sobre o fenômeno do enriquecimento rápido de um personagem público, o ainda ministro Antonio Palocci.

Por quê? Tá certo o que aconteceu? Nossos eleitos (não nossos representantes) acham um fato normal, e ganham tanto quanto, ou mais, que o capitão do time atual do Planalto?

Muito estranho isso acontecer na terra em que, falar é um hábito cultural. É muito melhor opinar nesses momentos do que adotar o silêncio, que aqui na nossa terra não tem uma tradução favorável aos mudinhos.

Quando isso acontece, a sabedoria popular diz que, "o silêncio é sinal de rabo preso".

Ninguém vai seguir o conselho da sogra do médico, e falar que ficar rico assim é feio?

Falem senadores e deputados! Não passem a impressão de que estão sentados em cima de seus rabos.

Falem! Porque, por aqui, que eu saiba, para ganhar dinheiro tem que se trabalhar muito. E consultor que ganha muito em pouco tempo, tem outro nome.

Fale gente! Nós somos diferentes.

Por favor, falem!



Gabriel Novis Neves

20-05-2011

* Publicado simultaneamente no www.bar-do-bugre.blogspot.com

sábado, 9 de abril de 2011

História da medicina

Nos últimos cinquenta anos acompanhei as conquistas científicas da medicina. Fui aluno da então Faculdade Nacional de Medicina da Praia Vermelha, do Rio de Janeiro. Tudo que aprendi com os meus mestres - como o professor de Fisiologia que disputou o Nobel, ou o de Física, Carlos Chagas Filho, um dos consultores científicos de Sua Santidade o Papa - não esqueci. Entretanto, não utilizo seus ensinamentos, por pertencerem à história da Medicina.

Aprendi que homossexualismo era doença e como tal o seu portador deveria receber tratamento médico. Que alcoolismo era vício, malandragem, irresponsabilidade, fraqueza humana e merecia severa punição e repúdio da sociedade.

Não é preciso ser médico para saber hoje que homossexualismo é opção sexual e não doença. Até o Código Internacional das Doenças (CID) retirou esse termo, que tinha um número para identificar a doença. O alcoolismo não tinha CID, hoje tem e não é mais aceito como vício. É uma doença e o seu portador deve ser tratado como tal.

A Medicina evoluiu, e muito, ao desvendar certos mistérios deste produto complexo que é o ser humano. Muitas e muitas indagações dos cientistas ainda permanecem sem respostas da ciência médica.

Tenho lido, ouvido e visto tantas barbaridades que cheguei à conclusão que o Brasil está doente, muito doente. Partindo do conceito moderno de que alcoolismo é doença e o seu portador exige cuidados médicos, estou preocupado.

Deixar, em horário nobre - quando as crianças estão acordadas –, que um dependente químico faça apologia das drogas nas novelas de TV, é de uma irresponsabilidade total.

Os médicos, e aqueles que convivem com esses pacientes, sabem dos delírios e alucinações produzidos pelas substâncias exógenas quando usadas por muito tempo no organismo humano. O quadro é dramático e merece o nosso maior respeito para ajudá-los.

As pessoas não acostumadas a lidar com essa doença - e principalmente as crianças, depois de presenciarem uma cena aguda daquilo que classificamos como delírio -, serão facilmente vítimas do chamado trauma psicológico de consequências imprevisíveis.

É lamentável também a proliferação da indústria da fé, diante da ausência do governo no trato da saúde pública. A história da medicina, especialmente a cuiabana, é rica em personagens que tanto se sacrificaram para colocar a nossa cidade como sede de uma das melhores escolas de graduação de Medicina do Brasil, assim como possuir hospitais para atendimentos da mais alta complexidade.

Por que avançaste tanto, minha ciência médica, se o governo não te reconhece?

Prefiro ouvir a história da medicina, para me encantar com o sonho do seu passado.

O presente é um pesadelo de horrores.

Gabriel Novis Neves

07-04- 2011

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quarta-feira, 30 de março de 2011

FILA

Leio na revista Veja, de 23 de março de 2011, na página 10, uma notícia que me chamou a atenção como médico e conhecedor do funcionamento do SUS.

Todo o povo brasileiro sabe que, o teoricamente, fantástico SUS, na realidade não funciona.

Tanto é verdade, que nenhum defensor do SUS, principalmente os políticos de Brasília e dos Estados e integrantes dos outros poderes, jamais procuraram o SUS, nem para um simples curativo.

O sucateamento do SUS, que é o plano de saúde de todos os cidadãos brasileiros, só é procurado pelos pobres e miseráveis.

Repito, o problema da saúde é nacional, e o próprio governo Federal chuta a Constituição Brasileira - “A saúde é um direito de todos e um dever do Estado.”

Há um ano trocamos o governador de Mato Grosso, com a saída do titular para assumir uma carreira solo, bem distante dos nossos problemas.

O novo governador interino, em plena campanha para a reeleição, foi obrigado a engolir cobras e lagartos. Tudo estava perfeito e funcionando muito bem em nosso Estado.

Algumas pequenas trocas foram efetuadas visando sempre o ganho político.

Convida para o cargo de Secretário de Saúde um dos médicos mais conceituados de Cuiabá, e reconhecido nacionalmente como um bom gestor em saúde.

No dia da posse, promete implantar o Programa Fila Zero para cirurgias eletivas. Tínhamos à época um numero vergonhoso de pacientes, numa fila que não andava.

Sabem como se encontra esse programa? O Secretário de Saúde não ficou um mês no posto, pedindo para sair sem dizer uma palavra de público.

Assumiu o seu lugar um bom gestor, não médico, e sem poder político.

A Fila do “Programa Fila Zero” para cirurgia proliferou de tal monta, que hoje temos 10 mil infelizes, aguardando por uma cirurgia eletiva.

Há quase três meses, o secretário é um médico, com carteirinha de deputado Federal.

Político experiente, o nosso colega secretário logo fez o diagnostico da saúde pública em nosso Estado. Começou a denunciar as coisas mal feitas nos últimos oito anos.

Foi lembrado que não poderia fazer isso, pois afinal era um governo de continuação em que todas as áreas da administração foram bem atendidas.

Nosso secretário que é médico legista do Estado fez a verificação de óbito no cadáver da nossa saúde.

Causa mortis: falência múltipla dos serviços públicos.

Com essa informação privilegiada, não seguiu o exemplo dos outros seus três colegas, que somando os seus mandatos, não conseguiram ficar dez meses no cargo.

Encontrou uma ótima saída política: jogar nas costas da Organizações Sociais (OSs), a responsabilidade sobre a gestão da saúde em MT.

Essa é uma pequena fotografia da saúde no Brasil.

Transcrevo a matéria da Veja: “Uma mulher de 38 anos, no início de abril vai se deitar em uma mesa cirúrgica para se submeter a um procedimento que transformará o seu corpo. De lá, ela sairá sem útero, ovários e trompas. Em data ainda a ser definida, passará pela extração das mamas. As cirurgias serão todas custeadas pelo SUS”.

Longe de mim a intolerância ou o preconceito. A medicina existe para minorar o sofrimento humano, tanto orgânico, quanto emocional, e a Constituição Brasileira garante a todos o tratamento pelo SUS.

Causa estranheza que uma cirurgia complexa para a retirada de órgãos sem nenhuma patologia gerando risco de morte fure a fila, e um portador de câncer do pulmão, fique meses na fila para fazer uma simples broncoscopia, para com o resultado histológico, iniciar a desesperada luta pela vida.

Todos os pacientes têm os mesmos direitos perante a Constituição. A única função do médico é disciplinar o atendimento.

Se, hipoteticamente, tivesse uma única vaga para cirurgia, diante desses dois casos, daria oportunidade ao paciente com câncer de pulmão.

Não seria notícia na Veja.

Gabriel Novis Neves

25-03-2011

* Publicado simultaneamente no www.bar-do-bugre.blogspot.com

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Notícia

Chego para o almoço e a minha secretária me diz para ligar com urgência para um colega de infância.

Antes mesmo de me desfazer do material de consultório - maleta com aparelho de pressão, estetoscópio, termômetro e os mais diferenciados blocos de receituários, moderna exigência do Ministério da Saúde, visando à melhoria do atendimento médico (!), - entro em contato com o colega pelo celular.

Ele atende ao chamado, e eu logo pergunto: “qual o problema?” Explica-me:

- Fui ao hospital, como faço há cinquenta anos.

Na minha mesa um envelope. Abro.

Leio a notícia da minha dispensa, com a frieza de uma geladeira de necrotério.

Procuro o setor de pessoal para saber a partir de quando não precisaria mais voltar ao hospital.

A resposta foi a mais curta possível – “a partir deste momento”.

Retornei para casa não acreditando no dramático final de um casamento com bodas de ouro.

Pedi à minha mulher que lesse a carta.

Em silêncio me devolveu, e sugeriu que eu telefonasse para você.

Ouvi o desabafo do colega sem interrompê-lo. Entendi o seu desânimo. Respirei fundo e lhe disse:

- Caro amigo do Grupo Escolar, Colégio dos Padres, Colégio Estadual, Anglo Americano do Rio, pensão, cursinho pré-vestibular, Praia Vermelha, e, Hospital Geral.

Há uma diferença entre nós, com um pequeno detalhe.

No início das nossas vidas profissionais, tivemos envolvências também, fora da medicina.

Você, com os aviões, na mais ampla compreensão.

Eu, com as crianças, adolescentes e jovens. Durante longos anos fui secretário de educação do Estado, e reitor-fundador da nossa UFMT (1968-1982).

Ele ouvia também sem me interromper. Continuei:

- Aprendi muito com as crianças e jovens.

O resultado vem com o passar dos anos.

Muitos ensinamentos ficaram com uma ponta solta, que só o tempo nos mostrou como amarrá-la.

Dei nó em muitos pontos soltos, que aprendi quando trabalhei com os jovens - nos chamados anos de chumbo.

Um alerta que me tem sido muito útil, vem daquela inquieta geração: “Quem sabe faz a hora não espera acontecer”.

Do outro lado da linha, ouvi algo parecido com um sorriso. Finalizei dizendo:

- Há dois anos, segui a lição dos jovens de 1968.

Fiz acontecer. Não esperei que acontecesse.

Dessa forma, acredito, evitei sentir o devastador sentimento da mágoa. Mágoa provocada pela ingratidão.

Por essas e outras - que a vida nos apronta - é que sustento a tese de que, para não nos deixarmos magoar, devemos acreditar e confiar, somente nas crianças e nos jovens.

Você confiou muito na tripulação do hospital, esquecendo-se que ela é composta por adultos.


Gabriel Novis Neves

06-02-2011

domingo, 13 de fevereiro de 2011

INTERPRETAÇÃO

Um dos fundadores da Universidade da Selva sofreu, há três anos, um sério acidente vascular hemorrágico (AVCH). Frequentou hospitais, UTIs e serviços de recuperação.

Enviou-me uma carta escrita a mão, pois mora em Friburgo e ficou sem computador.

Na carta ele fala de suas observações sobre o AVC e pede-me que a encaminhe para a Academia de Medicina de Mato Grosso.

Resolvi socializar a visão de um paciente leigo sobre a doença da moda - o AVC. Eis um trecho da carta:

“Depois de três anos de experiência médico-hospitalar, após sofrer um AVC em Nova Friburgo, onde morei, em agosto/setembro de 2009, cheguei à seguinte conclusão: O AVC não é uma doença, mas um conceito técnico.

E não tem, no sentido exato da palavra, cura; o tratamento se centra na correção de sequelas, ou seja, nas consequências, não na causa.

Cheguei a tomar 27 comprimidos por dia, nenhum destinado ao cérebro danificado pela hemorragia”.

Ele continua dizendo: “O cérebro não tem como ser alcançado por quaisquer medicamentos; no caso, apenas a fisioterapia alcança as sequelas, no meu caso a hemiplegia.

O fundamento, o horizonte da questão é que a medicina no início do século XXI deixou de ser a arte de curar, com objetivo de preservar e recuperar a saúde humana.

Tornou-se a Ciência Médica com obrigações básicas com o cientificismo e o academicismo”.

“Os médicos das presentes gerações estão desorientados sobre o que é real e o que é técnico ou acadêmico.

Os físicos enfrentaram o mesmo dilema na primeira metade do século XX. Não tinham certeza se um fenômeno natural era real ou apenas uma equação matemática”.

“Assim, estou executando uma estratégia ANTIAVC.

Reduzir as sequelas para voltar a participar da normalidade e da vida cotidiana.

Recuperar os meus direitos humanos e o meu futuro, ou seja, ter uma família, um trabalho, amigos, casa, cachorra, e, reconheço um instrumento inexistente há 30 anos, quando morei em Cuiabá e trabalhei na UFMT: a internet.

Preciso hoje do computador e não do carro”.

“Esta é a minha estratégia: voltar à normalidade, criando um dia a dia viável.

Deficientes visuais conseguiram atingir, com muito maior dificuldade, este objetivo.

O AVC, no meu caso, é mais fácil de ser superado - não curado”.

A Medicina é a profissão em que o aluno é treinado para curar. Ao longo da sua carreira, descobre que ela não cura.

Alguns a definem como arte, outros, como ciência ou sacerdócio.

Afinal, qual a grande função do médico? Participar da cura quando possível, consolar sempre, ouvir muito e falar pouco.

Deixar-se consumir por aqueles que necessitam de nós e valorizar os depoimentos de um leigo, como faço agora.

Sei que essa interpretação de um avecista, levada à Academia, lhe fará melhorar da crueldade de uma sequela definitiva.

Gabriel Novis Neves

08-02-2011

* Publicado simultaneamente no www.bar-do-bugre.blogspot.com