domingo, 13 de fevereiro de 2011

INTERPRETAÇÃO

Um dos fundadores da Universidade da Selva sofreu, há três anos, um sério acidente vascular hemorrágico (AVCH). Frequentou hospitais, UTIs e serviços de recuperação.

Enviou-me uma carta escrita a mão, pois mora em Friburgo e ficou sem computador.

Na carta ele fala de suas observações sobre o AVC e pede-me que a encaminhe para a Academia de Medicina de Mato Grosso.

Resolvi socializar a visão de um paciente leigo sobre a doença da moda - o AVC. Eis um trecho da carta:

“Depois de três anos de experiência médico-hospitalar, após sofrer um AVC em Nova Friburgo, onde morei, em agosto/setembro de 2009, cheguei à seguinte conclusão: O AVC não é uma doença, mas um conceito técnico.

E não tem, no sentido exato da palavra, cura; o tratamento se centra na correção de sequelas, ou seja, nas consequências, não na causa.

Cheguei a tomar 27 comprimidos por dia, nenhum destinado ao cérebro danificado pela hemorragia”.

Ele continua dizendo: “O cérebro não tem como ser alcançado por quaisquer medicamentos; no caso, apenas a fisioterapia alcança as sequelas, no meu caso a hemiplegia.

O fundamento, o horizonte da questão é que a medicina no início do século XXI deixou de ser a arte de curar, com objetivo de preservar e recuperar a saúde humana.

Tornou-se a Ciência Médica com obrigações básicas com o cientificismo e o academicismo”.

“Os médicos das presentes gerações estão desorientados sobre o que é real e o que é técnico ou acadêmico.

Os físicos enfrentaram o mesmo dilema na primeira metade do século XX. Não tinham certeza se um fenômeno natural era real ou apenas uma equação matemática”.

“Assim, estou executando uma estratégia ANTIAVC.

Reduzir as sequelas para voltar a participar da normalidade e da vida cotidiana.

Recuperar os meus direitos humanos e o meu futuro, ou seja, ter uma família, um trabalho, amigos, casa, cachorra, e, reconheço um instrumento inexistente há 30 anos, quando morei em Cuiabá e trabalhei na UFMT: a internet.

Preciso hoje do computador e não do carro”.

“Esta é a minha estratégia: voltar à normalidade, criando um dia a dia viável.

Deficientes visuais conseguiram atingir, com muito maior dificuldade, este objetivo.

O AVC, no meu caso, é mais fácil de ser superado - não curado”.

A Medicina é a profissão em que o aluno é treinado para curar. Ao longo da sua carreira, descobre que ela não cura.

Alguns a definem como arte, outros, como ciência ou sacerdócio.

Afinal, qual a grande função do médico? Participar da cura quando possível, consolar sempre, ouvir muito e falar pouco.

Deixar-se consumir por aqueles que necessitam de nós e valorizar os depoimentos de um leigo, como faço agora.

Sei que essa interpretação de um avecista, levada à Academia, lhe fará melhorar da crueldade de uma sequela definitiva.

Gabriel Novis Neves

08-02-2011

* Publicado simultaneamente no www.bar-do-bugre.blogspot.com

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