Desde antigamente as superstições no parto abastecem o nosso imaginário com fatos os mais diversos possíveis.
A medicina é uma ciência cuja prática enfrenta crenças infundadas impregnadas em certos pacientes, crentes que os atos poderiam sofrer influências da sorte, azar, etc; e nada melhor que no trabalho de parto para exercitá-las.
Na moderna obstetrícia é muito recente o parto hospitalar e lembro o exemplo da minha mãe, que terminou nove gestações com partos normais caseiros.
Quando minha irmã caçula nasceu, próximo dos anos 60, eu cursava o medicina no Rio de Janeiro e quem fez o parto foi meu próprio pai, comerciante, que estava bem treinado para assistir ao nascimento de um bebê.
O parto caseiro tem o ritual pré e pós-parto, todos ricos em superstições.
Preparar as chaleiras de água quente para o banho do bebê e a higiene das parturientes.
Cavar no quintal um buraco para enterrar a placenta e escolher um cálice de cristal para depositar o vinho do Porto que saúda o novo morador da casa.
A presença das parteiras acontecia no início do trabalho de parto ou rotura da bolsa de águas.
Isso poderia demorar até dois dias, dependendo da fase do trabalho de parto quando eram chamadas.
Uma cuidadosa parteira tinha em sua bolsa profissional uma garrafa de vidro vazia, um vidro de óleo, um de mercúrio cromo, algodão, atadura, um pedaço de fio esterelizado e tesoura.
Trazia consigo também, para pendurar no pescoço das suas parturientes, um enorme "breve" (escapulário), onde se acreditava guardarem orações milagrosas escritas em papel, envoltas por tecido.
Durante as contrações uterinas do trabalho de parto, as parturientes recebiam instruções para agarrar firme naquele amontoado de panos formando uma circunferência do tamanho de uma bolacha, e fizessem preces para que tudo ocorresse bem.
Na alta, a parturiente entregava o "breve", no mais das vezes envolto por um novo tecido, pois o original costumeiramente terminava manchado pelo suor ou gotas de sangue.
Quando retornei formado médico para Cuiabá conheci muitas parteiras, verdadeiras heroínas da nossa sociedade, especialmente dos menos privilegiados economicamente.
Trabalhavam diuturnamente e não exigiam ou se importavam com gratificações.
Recebi no hospital muitas parturientes com sua parteira e as tratava com respeito e admiração.
Em uma tranquila madrugada, acompanhei até o nascimento do bebê a uma gestante adornada com um gigantesco colar e "breve" no pescoço.
Conhecedor da história do "breve", perguntei-lhe sobre a crença na força dessa superstição.
Diante da resposta afirmativa, fiquei imaginando a curiosidade de um colega mais antigo, que teve o desplante de solicitar autorização para, com uma gilete, desfazer as inúmeras costuras das bolsas que guardavam a oração milagrosa.
Concluído o trabalho encontrou um pedaço de papel que dizia:
“Quer parir pari, não quer, não pari”.
Estava desvendado o mistério que acalentou gerações de parturientes.
Temos que acreditar também nesta centenária ciência que é a da fé!
Gabriel Novis Neves
29-06-2021
Nota do Editor: Há versão corrente na cuiabania que um dos "breve" continha maldição apregoada pelo autor da milagrosa oração: "Quer parir, pari. Não quer parir, vá para p.q.p."
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