terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Qual é?

Um querido amigo jornalista certa ocasião em um bate papo perguntou-me: “- Qual o seu estilo de escrever?”

Ocupei cargos importantes no serviço público no período entre 1966-1985, com uma patológica recaída de nove meses em 2003. Durante todos esses anos, só para colação de grau na UFMT, escrevi cerca de quarenta discursos. Não estou contando as formaturas de 1º e 2º graus em todo o Estado de Mato Grosso como Secretário Estadual de Educação.

O experiente jornalista, que sempre acompanhou o meu trabalho, não conseguia identificar o meu estilo de escrever. Expliquei-lhe que publiquei muitos textos, e escrevi até para orelha de livros. Faltava-me até tempo para a produção desses trabalhos. O tema das falas era sempre escolhido por mim. Discutia com a equipe de colaboradores que desenvolviam as idéias, mas a redação e edição final eram da minha inteira responsabilidade. Sempre me davam muito trabalho - especialmente para a colação de grau - o título e o conteúdo do discurso - considerado avançado para a época.

Em uma colação de grau falei de um bife que foi lançado ao chão. Ao entrar certa vez no recém inaugurado Restaurante Universitário (com satisfação e um pouco de melancolia, lembrando do tempo em que fazia as refeições no Restaurante da Faculdade de Medicina da Praia Vermelha do Rio de Janeiro), vejo um aluno, provavelmente com hipoglicemia, receber de uma humilde funcionária o seu “bandejão.” Um enorme bife estava colocado em cima de um morro de arroz. Com o garfo o aluno tentou espetá-lo para levá-lo à boca. Com o insucesso, devido à carne não estar tão macia para a dentada que iria encher-lhe a boca de carne, lança o bife ao chão. Foi uma cena que não consegui esquecer, e serviu de tema para o discurso da formatura daquele ano. Ao lançar as proteínas no chão, alguém teria que abaixar-se para jogá-lo no lixo. Esse alguém, talvez ao sair de casa, não possuísse um pedaço de carne sequer para alimentar os seus filhos. A reflexão foi sobre a injustiça social representada naquele ato e o humanismo que sempre deve nos acompanhar.

Outro discurso que marcou muito o meu estilo foi o da colação de grau de janeiro - logo após a divisão do Estado. O povo cuiabano estava cabisbaixo e perdido a sua auto-estima. Em vez da tradicional exaltação para aqueles que tiveram oportunidade de cursar um curso superior e os famosos agradecimentos aos vivos e mortos, fui direto à ferida. No discurso iniciei dizendo que desde o nascimento da UFMT tínhamos as costas viradas para o sul do nosso Estado e o nosso único interesse era o norte. Para tentar elevar a auto-estima da minha gente, traduzi esse tempo em horas. Notei a mudança nas fisionomias dos presentes que lotavam o nosso Ginásio de Esportes. Mais uma vez os “pistoleiros intelectuais” trabalharam na elaboração do documento.

Passados os anos a amizade e a admiração pelo velho jornalista continuam e o meu estilo de escrever é este que está disponível no
www.bar-do-bugre.blogspot.com e no www.gnn-cultura.blogspot.com.

Gabriel Novis Neves
Cuiabá, 11/12/2009

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

A palestra

A Academia de Medicina de Mato Grosso realiza todos os meses uma palestra sobre Saúde proferida por uma personalidade. Este mês o palestrante foi o Professor Eduardo Delamônica. Tivemos o privilégio de escutá-lo sobre o tema Educação Médica.

Delamônica é médico, professor da Universidade da Selva, e foi o terceiro reitor da sua história.

Homem íntegro, ético, estudioso e extremamente comprometido com os problemas sociais.

Tenho preguiça de sofrer, mas confesso que sofri muito durante a fala do meu colega, ao ouvi-lo contar a história das Escolas de Medicina do Brasil e de Mato Grosso.

Não sei trabalhar com o passado que não volta mais. As coisas boas e más são cicatrizes que não devem ser atritadas. Produzem sangramentos desnecessários.

Saindo da história, ele nos fez viajar pela longa estrada pedagógica da educação médica. A proposta do nosso professor para o Brasil formar médicos contemporâneos data de 1976 - quando implantou o ensino integrado na nossa Uniselva. Só agora, passados trinta anos, o Ministério da Educação está recomendando às escolas médicas brasileiras adotar aquele modelo.

Afinal, o que está acontecendo com a formação do médico no Brasil? Ficou claro na palestra a irresponsabilidade do Governo Federal. Nos últimos dez anos foram criados no Brasil, com autorização de Brasília, mais de setenta escolas médicas, e o pior é que, na sua maioria, sem as condições mínimas de oferecer um bom ensino.

Este mal atingiu, na visão do palestrante, o nosso conceituado curso de medicina da UFMT, que é excelente também pelo pequeno número de alunos. “- Abriram demagogicamente as porteiras da escola, dobrando o número de vagas,” brada Delamônica. “- Criminosamente, como vem acontecendo com a educação brasileira, não são fornecidos os instrumentos necessários para proteger a sua qualidade,” diz Delamônica.

E continua:- “Temos um monstro cabeçudo de pernas finas. Formaremos médicos defeituosos. Cuiabá é uma cidade de 600 mil habitantes. Aumentou de 140 para 208 o número de vagas para formar médicos. Saímos de uma greve de 70 dias na saúde por melhores condições de trabalho, quando ficou amplamente demonstrada a nossa fragilidade física hospitalar. Oferecer certificados de nível superior virou mania neste país”, conclui Delamônica.

O desinteresse das nossas autoridades por este assunto é grande, mas os ventos levarão as suas idéias a algum terreno fértil.
É o que espero.

Gabriel Novis Neves
23-11-2009


* Publicado simultaneamente no www.bar-do-bugre.blogspot.com

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

A medicina no interior

Periodicamente, o Conselho Regional de Medicina (CRM), visita as cidades do interior do Estado com a finalidade de ministrar cursos de atualização, prestar assessorias, constatar como andam os serviços de saúde e verificar o grau de satisfação dos médicos. O último trabalho do CRM abrangeu quatro dos municípios mais ricos economicamente de Mato Grosso: Sorriso, Sinop, Lucas e Nova Mutum. Conversei com um colega do grupo de verificação e o seu relatório foi simplesmente desanimador. “-Tudo que acontece em Cuiabá, e é motivo de severas críticas, encontramos com juros e correção monetária nestes municípios.”

Faltam médicos, leitos hospitalares, postos de saúde, UTIs, pronto atendimentos e medicamentos. Os pacientes enfrentam enormes filas para chegar a um consultório médico. Hospitais lotados com pacientes amontoados pelo chão, cadeiras e macas. Os médicos, de um desses municípios, não tem nem contrato de trabalho. É tudo de “boca”. As condições de trabalho oferecidas aos profissionais de saúde são as piores possíveis. O CRM pedirá a interdição do maior Pronto Atendimento Municipal das quatro cidades - por não preencher as normas mínimas exigidas para o seu funcionamento.

O coração do agronegócio tem tudo para ter um serviço médico de qualidade. Entretanto, faz saúde pública motorizada, não com as obsoletas ambulâncias, e sim com os superônibus trafegando em estradas pavimentadas no transporte dos seus pacientes para Cuiabá.

O caos da saúde está implantado em todo o Estado. Pelo menos por aqui existem os seguidores de Pablo Neruda, que falam por aqueles que não são lembrados.

A medicina no interior de Mato Grosso é rudimentar. Só existe no INFORMATIVO, que circula como encarte de um jornal de Cuiabá.

Gabriel Novis Neves
30/11/2009

* Publicado simultaneamente no http://www.bar-do-bugre.blogspot.com/

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

IAPP

Em muitos países o IAPP já foi implantado. Estou torcendo para que esta conquista científica chegue ao Brasil.

O IAPP - Instituto de Avaliação Psicológica do Político - é uma necessidade dos tempos pós-modernos. Com a implantação deste serviço preventivo ganharemos muito em avanços tecnológicos, e, além de tudo, economizaremos recursos.

Várias gerações foram prejudicadas elegendo governantes psicóticos, neuróticos, psicopatas, e especialmente, carentes de notoriedade. Se tivessem sido submetidos ao teste do IAPP, com toda certeza não teríamos perdido o trem da modernidade, e nem entrado no vermelho durante anos no FMI. Até hoje pagamos um alto custo pela falta da implantação do IAPP.

No nosso Estado então, a situação é de emergência. Diariamente assistimos ao inacreditável. Com o IAPP, o meio ambiente seria entendido como um bem da humanidade, e as crianças, como o futuro deste país.

A fixação do homem no campo, em condições humanas de vida, seria interpretada como fator principal de eliminação da miséria social das metrópoles.

O IAPP é uma poderosa “enxada” para diminuir a violência já institucionalizada, a gestação precoce e a dependência química dos nossos jovens. As estradas valorizadas seriam não só as do asfalto, - necessárias para escoar a produção do agro negócio.

A estrada que me refiro só poderia acontecer com os aprovados no teste do IAPP: são as estradas das oportunidades e esperanças para todos. Não suporto mais viver em um mundo de números! Quero contabilizar gente. Gente educada, com saúde, segurança, emprego e felicidade.

Que falta nos faz o IAPP – Instituto de Avaliação Psicológica do Político!

Gabriel Novis Neves
30 de Novembro de 2009
* Publicado simultaneamente no www.bar-do-bugre.blogspot.com

O envelhecer

“As coisas nunca são tão boas quanto esperamos, nem tão ruins quanto tememos”.

O que seria da humanidade sem o humor das histórias do português, mineirim e idosos? Os velhinhos e velhinhas ocupam na minha classificação o 1º lugar. O idoso é um privilegiado, além de trabalhar longo tempo para a sociedade, quando está para mudar de idade - que é a morte - ainda propicia entretenimento especialmente aos mais jovens. E a medicina nos tem ajudado muito na arte de envelhecer com humor.

É muito bom e saudável contar piadas de velhos. São as minhas preferidas, e para não melindrar ninguém e me livrar de um processo por assédio ou atentado ao pudor, utilizo sempre como personagens a minha família e eu.

Lembro-me da história do meu avô, que ao completar 100 anos, e nunca ter ido ao médico, ganhou como presente uma consulta. Veio de carroça do Livramento, seguido por aquele bando de descendentes: todo de terno branco, chapéu de palha, gravata borboleta, sapato preto, um cigarrinho forte e sempre aceso, com a escarradeira portátil, pois era dia de festa, e sua quinta mulher, educadíssima, não o deixou jogar o produto amarelado e abundante dos seus pulmões pela estrada.

O ramo da família que morava em Cuiabá, desde cedo o esperava na porta do consultório médico, na Rua dos Porcos. Quando meu avô chegou para consulta, foi aquela festa danada. Gente falando alto, tropeçando pelas calçadas e corredor do consultório.

Vovô é atendido pelo médico da família. Após minucioso exame clínico, o médico dá o seu parecer definitivo: o senhor está ótimo de saúde. Peso, pressão arterial, pulso, aparelho locomotor, tudo bem. De maldade, indaga ao meu avô: e aquela “outra parte” como está? Com dificuldade na sua audição, vovô solicitou ao médico que falasse mais alto. Com o aumento dos decibéis do doutor, o meu avô entendeu a pergunta e assustadíssimo responde: Doutor, esse negócio acaba?!

Nada acaba com o envelhecer, apenas modificamos o modo de conduzir a nossa vida. Dependemos de fatores externos como a genética e o meio ambiente para uma longa vida, mas isto é tarefa de Deus. Em segundo lugar, a vida longa e saudável é composta de pequenas vidas, que unidas produzem a longa vida. Temos sempre que recomeçar para não deixar faltar o combustível indispensável a uma vida saudável que é exatamente o começar.

O envelhecer não é nunca o terminar. É começar um novo tempo. Quintana foi quem melhor nos deu a dimensão do envelhecer. O poeta gaúcho afirmava que só temos duas idades - ou estamos vivos, ou estamos mortos.

O envelhecer não é a melhor idade. Melhor idade é sempre aquela que vivemos com saúde física e mental. Garanto que envelhecer é pelo menos a idade mais engraçada na vida das pessoas. É onde o aprendizado é diário. No meu caso, aprendi muito nesses últimos 5 anos:
- Aprendi a dormir só em uma imensa cama de casal.
- Aprendi, a saber, o preço das compras do mercado, da luz e da taxa do condomínio.
- Aprendi a viver me desviando dos preconceitos.
- Aprendi a prestar atenção na folhinha, para que os meus hábitos de consumo, mensalidade da academia de ginástica e o pagamento dos empregados não ficassem inadimplentes.

Enfim, aprendi também que na minha idade posso falar e fazer de tudo sem punição, exceto cometer infrações contra a ética e a dignidade das pessoas.

As famosas limitações dos idosos não existem se os mesmos encararem o fato como um novo ciclo. Se os cabelos estão prateados, vamos viver com os cachos prateados. Pintados, só servem para sujar a fronha do travesseiro. Papadas e bolsas nos olhos? Bem aventurados sinais de uma história longa. Botox para correção? Vou ficar a cara da Rogéria.

Os lábios afinam-se com a idade, de tantos beijos de amor que não economizamos em nossa juventude. Isto é troféu. Os jovens têm lábios carnudos porque não tiveram tempo de gastar esta camada protetora da boca com beijos ardentes. Porque preenchê-los e apagar os nossos amores? A pressão arterial aumentou? Benditos vasos sanguíneos resistentes ao tempo, sem entupir ou romper-se.

As mulheres só perdem com a idade, aquilo que sempre consideraram perdas – a menstruação. Na velhice, estão livres desta coisa chata, tão em desuso hoje com as histerectomias.

Como é belo ouvir o depoimento de uma Fernanda Montenegro que vive da arte e da imagem, afirmar, que aos 80 anos nunca procurou alterar os traços que a natureza lhe deu. A maioria das pessoas que não entendem o envelhecer me transmite a imagem do gato na praia escondendo as suas porcarias.

O envelhecer é saber se desfazer das nossas inutilidades para continuarmos com alegria de viver, num pequeno espaço comparado ao ninho vazio dos pássaros.

Envelhecer não deve nunca ser utilizado para rever o passado. Isto clinicamente significa um futuro incerto. A saudade também não deve constar na cartilha dos envelhecidos. Saudade não serve para nada. O que foi bom, não volta mais. E o que de ruim passamos, pertence ao lixo do esquecimento. Saudade só faz a gente sofrer. A saudade é a casa da morte, e nós estamos vivos, embora, envelhecidos. Esta não será nunca a nossa residência. Tristão de Atayde, na sua imensa sabedoria cunhou: “saudade é a presença da ausência”.

O idoso não deve ser tratado de uma maneira preconceituosa, como pertencente à melhor idade e ter direitos especiais, só porque tem 65 anos. O idoso não procura privilégios, mas felicidade. “Felicidade é alguém para amar, algo para fazer e algo para aspirar” (Poeta inglês). “Felicidade é um lugar onde você pode pensar, mas não pode fazer seu ninho”(Condessa francesa).

Há tempos anotei estas verdades sobre o envelhecer:

Enfim, envelheço quando o novo me assusta e minha mente insiste em não aceitar.

Envelheço quando me torno impaciente, intransigente e não consigo dialogar.

Envelheço quando meu pensamento abandona sua casa e retorna sem nada a acrescentar.

Envelheço quando muito me preocupo, e depois me culpo porque não tinha tantos motivos para me preocupar.

Envelheço quando penso demasiadamente em mim mesmo, e consequentemente me esqueço dos outros.

Envelheço quando penso em ousar e já antevejo o preço que terei que pagar pelo ato, mesmo que os fatos insistam em me contrariar.

Envelheço quando tenho a chance de amar e deixo o coração que se põe a pensar.

Envelheço quando permito que o cansaço e o desalento tomem conta da minha alma que se põe a lamentar.

Envelheço quando paro de lutar!

Gabriel Novis Neves
27 de Outubro de 2009

* Publicado simultaneamente no www.bar-do-bugre.blogspot.com