segunda-feira, 10 de outubro de 2022

JULGAMENTOS


Durante toda a nossa vida somos avaliados do momento que acordamos até a hora de dormimos.


Somos julgados em tudo que fazemos de uma forma implacável.


Quando escrevo uma crônica e publico, espero receber aprovação dos meus leitores, mas não é bem isso que acontece, e o pior julgamento para um escritor é o silêncio.


É difícil conhecer os fatores que decidem um julgamento.


Há dias publiquei uma crônica que tinha a certeza de aprovação dos meus leitores, mas o resultado não foi do seu agrado, nem do meu.


Certas ocasiões publico um discreto texto e seu resultado é maravilhoso para mim.


Como dizia a minha mãe diante de tal fato: “durma com isso”!


É difícil entender a alma humana, e Dom Aquino Correa, o Príncipe dos Poetas, do século passado, me disse quando fui estudar medicina, que eu seria médico do corpo, pois o da alma é o sacerdote, representante de Jesus Cristo na terra.


Entendo a definição do meu padrinho, e com o avanço das pesquisas e as descobertas de novas tecnologias com imagens radiológicas, ultrassonográficas e endoscópicas, vasculhamos o corpo humano, inclusive o cérebro e coração, dois órgãos ligados as emoções, disputando ser a casa da nossa alma.


Poetas, compositores da nossa música popular de raiz, até hoje acreditam ser o coração, a casa da alma.


Quem não se lembra de “ sempre em meu coração, perto ou longe estarás, e ao cantar esta canção, sei que jamais me esquecerás, sempre no meu coração, na alegria e na dor, lembrarei com emoção, que um dia tive o teu amor”.


Essa composição de autoria de Ernesto Lecuona e Mario Mendes, foi gravada por vários cantores famosos, sendo perpetuada na voz de Orlando Silva, o “cantor das multidões”, em 1943.


Escrevi apenas as duas primeiras estrofes da canção, que fez enorme sucesso no Brasil rural.


Trata de coisas humanas inatingíveis pela medicina atual, como alegria, dor, emoção, amor, solidão, vulto, sempre “guardadas em meu coração”.


Hoje existe uma forte corrente não de poetas, mas de neurologistas reivindicando que a verdadeira casa da alma seja o nosso cérebro que comanda o nosso corpo, do piscar das pálpebras à parada do coração.


Podem até estarem certos, mas cérebro não dá samba, maior demonstração da nossa cultura popular.


Dom Aquino Correa dizia que o sacerdote era o médico da alma, e Jesus cura as suas doenças e muitas doenças do corpo, são produzidas pelas doenças da alma, consideradas incuráveis pelos médicos do corpo.


Afinal, o que é a alma humana?


Dizem os teólogos que “a alma deve obrigar o corpo a obedecer, dirigindo-se para a virtude, deixando as paixões do corpo de lado, que apenas os seres humanos as possuem”.


Os pesquisadores dizem que “a alma é uma energia adquirida na formação do embrião e quando essa pessoa morre volta de onde veio”.


Sócrates, dizia que “a alma do homem é a sua consciência”.


Hipócrates, o Pai da Medicina, que era sociólogo, pregava que a alma humana e o corpo eram indissociáveis.


Jesus Cristo, “associou a perda da vida da alma humana ao ato voluntário de se carregar a cruz e de se auto negar, para poder seguí-lo”.


Espero que meus leitores, julguem “com consciência”, esta minha crônica, na visão de Sócrates.


Gabriel Novis Neves

04-10-2022




sábado, 8 de outubro de 2022

OS PITORESCOS 46


Bem antigamente, quando Pedro Álvares Cabral descobriu por acaso o Brasil em 1500, todo mundo por aqui passou a conhecer a Cruz de Malta dos portugueses. Ninguém sabia dizer o que representava seus oitos pontos da Cruz. Hoje, muitos acham que a Cruz de Malta é o símbolo do Clube de Regatas do Vasco da Gama do Rio de Janeiro, e que usam em seus uniformes, bandeiras e estádio de futebol.


Na Cuiabá antiga, nos ensinavam que os oito pontos da Cruz de Malta, traduziam as oito obrigações dos Cavaleiros de Malta: “ viver na verdade, ter fé, arrepender-se dos pecados, dar prova de humildade, amar a justiça, ser misericordioso, ser sincero e de todo o coração, e evitar a perseguição”. Hoje, muitos ainda acreditam que a Cruz de Malta, significa escudo e seus oito pontos, o número dos principais campeonatos que o Vasco ganhou.


Bem antigamente, os Cavaleiros de Malta era uma organização internacional católica que começou como uma ordem beneditina fundada no século XI na Palestina, durante as Cruzadas, mas que rapidamente se tornaria uma Organização militar. A Cruz de Malta é o símbolo da Ordem de Malta. Hoje, muitos ainda acreditam que é símbolo do Vasco da Gama, criados por migrantes portugueses.


Na Cuiabá antiga, existiam aqui muitos torcedores do clube da Cruz de Malta. Hoje, na segunda divisão do futebol brasileiro e tendo como técnico um que o Cuiabá dispensou, sua torcida que em outros tempos era enorme, ficou reduzida a um parente setentão que mora em meu edifício, cabendo com a do meu Botafogo em uma taxi de Uber.


Bem antigamente, os grandes poetas, escritores, filósofos da humanidade precisavam ir bem distantes, às margens dos rios, lagos, ruinas de cidades medievais, desertos e pirâmides à busca de inspiração. Hoje, é só sair de casa para assistir a um assalto, inspiração suficiente para escrever sobre a violência urbana que assola, principalmente as maiores cidades brasileiras, embora as estatísticas provem a queda das suas taxas.


Na Cuiabá antiga, a inspiração vinha das chácaras que as crianças eram criadas, da missa aos domingos na Matriz, do barulho da correnteza das águas rolando pelas ruas, do cantarolar das serenatas em céu estrelado, do chamar do telefone esperado com ansiedade. Hoje, inspiração você compra em shopping movimentado ou quando recebe a visita da Polícia Federal inesperável.


Bem antigamente, todos os países falavam a mesma língua. Após o problema na Torre de Babel, cada país criou o seu próprio idioma, sendo que alguns mais de um, e as línguas eram vivas. Hoje, com a globalização a língua mais falada é o mandarim, mas a língua comercial aceita em todo o mundo é o inglês, inclusive por aqueles países que usam o mandarim como o seu idioma.


Na Cuiabá antiga, o cuiabano tinha seu próprio idioma que foi traduzido por livros. Irei citar alguns exemplos para as novas gerações entendam o linguajar da cidade onde nasceram. Cuiabano não faz gozação...Ele fica zoando de você. Cuiabano não tem um zumbido no ouvido... Ele tem um grilo preso na orelha. Cuiabano não corre... Ele vai rapidinho e corre duro. Cuiabano não encosta em alguma coisa... Ele relaxa em alguma coisa. Cuiabano não fica irritado... Ele cospe marimbondo. Cuiabano não te chama de chato... Ele te chama de tocêra. Cuiabano não caminha em vão... Ele perde a viagem. Cuiabano não tem melhor amigo... Ele tem um chegado. Cuiabano não acha que ficou bom... Ele acha que ficou até doce. Cuiabano não diz as últimas notícias... Ele diz lapada, lapada, lapada. Hoje, o cuiabano fala com sotaque carioca, paulista ou sulista.


Bem antigamente, seguindo as recomendações bíblicas, todos descansavam no sétimo dia da semana, menos os profissionais de serviços essenciais ao bem público, como pessoal da saúde, segurança, trabalhadores em limpezas das ruas, coveiros de cemitério e o pessoal de lazer, como cinemas, teatros, restaurantes, bares e esportes como o futebol, que já faz parte do calendário dos domingos. Hoje, alguns não obedecem esse ritual, e não vão nem assistir missas aos domingos.


Na Cuiabá antiga, todos tiravam os domingos para descansarem. Hoje, aos domingos é o dia que mais trabalho, indo à exaustão, escrevendo “OS PITORESCOS”, que publico sempre aos domingos.


Gabriel Novis Neves

18 -09-2022




quinta-feira, 28 de julho de 2022

PROFESSOR SEDUZIDO PELAS BELEZAS DE UTIARITI

 

O professor Danilo Perestrelo foi meu professor de medicina, na disciplina de clínica médica. Lecionava medicina psicossomática, uma novidade no Brasil.


Ele foi considerado o “pai da medicina psicossomática” no Brasil.


Autor de livros sobre como tratar de humanos.


Muito famoso, lecionava essa nova disciplina na UFRJ, atendia a um consultório muito frequentado e viajava pelo Brasil e exterior proferindo palestras.


Certa ocasião, em companhia da sua mulher, que era psicanalista e professora, foram me visitar na sala de partos, número dois da UFMT (Gabinete do Reitor).


Estavam fazendo uma visita ao Pantanal e à Chapada dos Guimarães.


Sabedor que um ex-aluno seu estava implantando uma universidade federal, se animou para uma conversa.


O casal de professores, estava encantado com tudo que viram de belo nos lugares onde foram levados, inclusive com a nossa culinária.


Trocamos ideias sobre a implantação de uma universidade federal, em uma região tão distante dos centros desenvolvidos.


Essa é a minha missão professor, respondi.


Meus assessores têm que ser “selváticos”, como Noel Nutels, irmãos Vilasboas e os padres jesuítas da selva.


Perguntei se conhecia um hospital indígena, tão diferente daquele que me haviam ensinado na faculdade.


Cheio de redes de cipó e trepadeiras e de algodão.


Muitas vezes o hospital indígena estava lotado com apenas um índio internado.


Nessas nações não se internava apenas o paciente, mas todo o grupo tribal.


O velho professor e sua mulher ficaram curiosos em poder conhecê-lo.


Providenciei os seus transportes, e cedo o aviãozinho da Missão Anchieta, decolou com o casal de pesquisadores psicanalistas, para retornar à tardinha.


No outro dia voltaram à sala de partos (Gabinete da Reitoria) para se despedirem, agradecer o passeio e comentá- lo.


Disse-me Perestrelo, do seu “deslumbramento” com a Chapada do “Véu da Noiva” e a beleza da natureza do pantanal.


Nada porém comparável ao respeito humano dos povos primitivos.


O cuidado para o tratamento humanizado que encontrou no hospital indígena, era desconhecido para ele.


A beleza das águas da cachoeira do Utiariti o fez, com a sua mulher, deixarem as suas roupas para mergulharem nelas!


Voltou para o Rio disposto a introduzir novas técnicas ao tratamento psicossomático.


Aprendeu muito na sua visita à selva.


Gabriel Novis Neves

25-02-2022


Professor Danilo Perestrello

Cachoeira de Utiariti


O Grupo de Utiariti

Índio da região

Enfermaria com rede para acompanhante
O
Enfermaria para Covid


quarta-feira, 27 de julho de 2022

CONSULTÓRIO TERAPÊUTICO

 

Cuiabá possuiu nos anos 90, um consultório médico e também de “terapia visual”, para gestantes.


O Ministério da Saúde, cientificado da sua existência, esteve aqui e o fotografou.


A idéia seria reproduzi-lo nos consultórios do PSF.


Não deu em nada, como sempre, pois o “custo era baixíssimo”.


Esse projeto foi pensado para fornecer ao máximo, informações visuais as gestantes que iam fazer o Pré Natal.


A coordenação geral foi do Fernando Pace.


Reuniu fotógrafos, artistas plásticos, ceramistas, artesãos, índios e madeireiros.


A gestante, geralmente muito jovem, visitava pela 1ª vez uma temida consulta com um médico do sexo masculino.


Logo ao entrar à sala de consulta via, em tamanho normal, uma foto em preto e branco de uma jovem mulher na janela de um prédio colonial.


Ela, com os cabelos negros a lhe cobrir parte do rosto.


Vestia uma bela e transparente camisola branca.


Ao defrontar com esse quadro que tomava toda a parede frontal da sala de consultas, ainda extasiada pela surpresa exclamava: como é linda!


Eu apenas respondia: e ela está gravida!


Naquele momento desfazia para a jovem gestante o conceito errôneo que apreendera que gravidez é sinônimo de ficar feia.


Acima de uma velha porta de igreja transformada em mesa, uma negra e índia em escultura de barro e, na parede, um quadro de mulher branca amamentando seu filho, mostrava que em todas as raças amamentar era importante.


Os índios xavantes me deram uma coleção de cerâmica, mostrando as mais variadas posições de parir.


De qualquer jeito, na hora do nascimento a criança nasce.


A gestante ficava ao final do pré-natal de no mínimo 8 consultas, totalmente dependente emocionalmente do seu prenatalista.


Angustiada queria saber, quando em trabalho de parto, onde me encontraria.


Nas minhas costas, bem acima da minha cabeça, pregada à parede uma escultura em gás neon de uma mulher grávida.


O significado era que eu só pensava nela.


No momento que precisasse de mim, me encontraria com facilidade.


Finalmente, queria saber o valor dos meus honorários médicos.


À minha esquerda na parede, um quadro de um artista plástico mostrava um centro obstétrico transformado em verdadeiro açougue de criaturas humanas.


Um terror. Assim era como o artista via o atendimento público.


Sem dignidade e respeito humano.


E o governo “sempre arrecadou com a cobrança de impostos muito dinheiro”.


Eu oferecia um tratamento humanizado, e isso é accessível a todos.


Tranquila ficava em casa aguardando o início do trabalho de parto para se internar e parir o filho comigo.


Hoje esse consultório está em minha casa.


Minhas clientes antigas, por certo terão recordação do consultório de terapia visual, que um dia Cuiabá teve.


Gabriel Novis Neves

25-01-2022










segunda-feira, 25 de julho de 2022

CIDADE GRANDE E PEQUENA


Nasci em cidade pequena e nunca tive problemas para me comunicar.


Bastava sair de casa para encontrar quem desejava, não precisando de telefone que era preso na parede, ou de transporte coletivo só quando essa pessoa morava no Porto.


Morei no Rio de Janeiro, cidade grande no início da metade do século passado.


Todo mundo tinha uma pequenina caderneta com endereços e telefones residenciais.


Quando em dificuldade, o catálogo telefônico resolvia a situação, onde contávamos com os residenciais e comerciais, que eram atualizados todos os anos.


E as pessoas atendiam aos chamados.


Quando retornei à Cuiabá, minha mulher que era argentina carioca, tinha uma cadernetinha de endereços para uso na bolsa e uma agenda preta bem maior com espiral, onde por ordem alfabética anotava os endereços para uso cotidiano.


Até que apareceram os telefones móveis, chamados de celulares, e os contatos foram colocados no celular, aposentando as cadernetas de anotações de endereços.


As comunicações ficaram tão simplificadas neste século XXI, que até consultas médicas se fazem à distância.


Quero falar com um médico meu primo, cinco anos mais novo que eu, e não consigo.


Depois de muito insistir com amigos, consegui à noite realizar o meu desejo, é fui compensado com juros e correção monetária emocional.


Conversamos pelo celular por cerca de quarenta e cinco minutos.


Não nos víamos há mais de cinquenta anos, embora estivesse ido inúmeras vezes ao Rio, sempre com muita pressa e a agenda apertada para esses devaneios.


Depois que retornei à Cuiabá, emendei uma tarefa na outra sempre mais difícil, até a minha aposentadoria há seis anos.


Toda a minha carreira de médico e homem público foi realizada aqui.


Ele que é carioca, exerceu a medicina no Rio, onde conquistou todos os títulos universitários, aprimorando seus conhecimentos acadêmicos e culturais nos Estados Unidos e Europa.


Sérgio Novis, neurologista, foi meu calouro quando bolsista no Hospital e Pronto Socorro Municipal Souza Aguiar, equipe Cata Preta, do Rio de Janeiro.


Quando chegou, vivia colado às minhas saias, como dizem as mães cuiabanas aos seus filhos menores.


Depois, cresceu, adquiriu asas próprias e voou tão alto que me perdeu de vista.


Possui todos os títulos universitários de Neurologia da UFRJ, de Prof. Titular a de Prof. Emérito.


É membro da Academia Brasileira de Medicina.


O motivo da conversa, era literatura.


Eu acabara de publicar uma crônica sobre os médicos Novis de Cuiabá já em sua sexta geração, caminhando para a sétima daqui há três anos.


Não tinha informações para fazer o mesmo, com os Novis médicos da Bahia, cuja origem é de um cuiabano que como outros, foi estudar lá, casou-se e constituiu novo ramo da família Novis.


O patriarca dos Novis do Brasil, foi o Dr. Augusto Novis, baiano, o responsável por perpetuar a família, filho de um francês com baiana.


Após ter se formado em medicina, foi para à Marinha Imperial, sendo designado para servir em Cuiabá à época da Guerra do Paraguai.


Aqui se casou com uma cuiabana, e teve inúmeros filhos.


Dois dos seus filhos foram estudar medicina em Salvador, Alberto (meu avô) e Aristides (meu tio).


Aristides Novis médico, se casou por lá e constituiu família, tendo três filhos médicos: Aristides, Jorge e Aloysio Novis.


O Jorge e Aristides Filho, ficaram com o pai em Salvador exercendo com brilhantismo a carreira de médio e professor universitário.


Aloysio queria se especializar em otorrino, e foi aconselhado à ir ao Rio de Janeiro.


Ficou no Rio, onde foi professor titular da UFRJ e médico até se aposentar.


Seu filho Sérgio, carioca, concluiu a medicina, mora no Rio, é professor doutor em neurologia.


Sérgio Novis tem um filho e neto neurologistas, exercendo a profissão no Rio de Janeiro.


Compensou a luta por este resgate perdido dos Novis da Bahia, pois conheci o Jorge, Aloysio Novis e o meu querido Sérgio Novis.


O ramo baiano e o cuiabano, estão na sexta geração de médicos com a mesma genética.


Gabriel Novis Neves 

20-07-2022


Familia Aristides Novis
Seus filhos, 3 médicos:
Aristides Novis Filho
Aloysio Novis
Jorge Novis


Aloysio Novis


Equipe Cata Preta


Sérgio Augusto Novis



Sergio Novis, filho, neto e nora, neurologistas




quinta-feira, 21 de julho de 2022

NOSSAS MUSAS

 

A turma de médicos de 1960 da Faculdade Nacional de Medicina da Universidade do Brasil, era conhecida como a faculdade da Praia Vermelha e a Matriz, por ser a mais antiga do Rio.


Nossa turma, a maioria era de homens, mas o número de mulheres chamava atenção, numa prova que o curso tinha perdido o perfil de curso masculino.


Os alunos pertenciam praticamente a todos os estados do Brasil, pois naquela época existiam apenas vinte e sete escolas no território nacional, em sua maioria, federais.


Era considerada a melhor escola de medicina do pais, e seus professores pertenciam a elite da medicina.


Nosso professor de fisiologia, Thales Martins disputou o Prêmio Nobel de Medicina.


O de biofísica, Carlos Chagas Filho, foi um dos consultores científicos da Sua Santidade o Papa.


Muitos dos nossos professores foram ex-alunos da nossa escola, o que nos enchiam de orgulho.


Alunos bolsistas de quase todos os países da América do Sul e alguns europeus.


Os filhos e netos dos nossos grandes mestres, como Miguel Couto, eram nossos colegas de turma.


Personalidades como Noel Rosa (abandonou o curso após completar o segundo ano pela boemia), Ademar de Barros, estudaram na Matriz.


Muitos cuiabanos da minha geração estudaram na Praia Vermelha, além da sua excelência, era pública.


Ali foi também um grande laboratório social.


Os filhos dos professores e alunos cariocas faziam o “velho ginásio e científico”, no Colégio Pedro II, Santo Ignácio, Andrews, São José, São Zacarias e passavam direto no concurso do vestibular.


Os do interior eram obrigados, de um modo geral, a frequentarem bons cursinhos durante um ano, como o do Galotti, para enfrentarem o difícil e concorrido exame para realizarem os seus sonhos de serem médicos.


Os alunos que moravam no Rio faziam suas refeições em casa, e geralmente eram levados de automóveis para as aulas, ou caronas.


Os do interior, muito pobres, moravam na Casa do Estudante, nos fundos do prédio da faculdade.


Os remediados, como eu, moravam em vaga de quartos nas inúmeras pensões existentes na zona sul do Rio.


Outros se reuniam em “repúblicas de estudantes”, como a famosa da rua Santo Amaro na Glória e no Zacatecas, em Laranjeiras.


As refeições deste segundo grupo, de pobres e remediados, eram sempre no restaurante da faculdade, que ficava do lado esquerdo do prédio da faculdade.


Aos domingos pela manhã o almoço era no Calabouço, que atendia também estudantes carentes do ensino médio.


Os estudantes que moravam no Rio usavam também ônibus ou lotação, e eram geralmente aqueles que moravam na zona norte da cidade.


Os estudantes da casa dos estudantes, pensões, repúblicas e bandejão, usavam o bonde 4 como meio de transporte, e nós chamávamos com orgulho como “a turma do baixo clero”.


No vestibular três colegas passaram em primeiro lugar, sendo dois do baixo clero.


No tão esperado trote na avenida Rio Branco, com os calouros contentes de cabeças raspadas símbolo de vencedores, houve uma eleição para a escolha da rainha dos calouros.


Foram escolhidas pelo eleitorado, a maioria do baixo clero mais participativo, duas musas.


Por coincidência as duas moravam em Copacabana.


Uma morena e outra loira, da mesma idade (19 anos), e muito amigas, andando pelos corredores da faculdade sempre juntas.


Após uma eleição disputadíssima, venceu a morena Norminha, para rainha dos calouros 1955.


A princesa foi a loira Penha, sob vibrantes protestos dos seus fãs, que diziam que a eleição fora fraudada.


O pitoresco é que ambas não compareceram ao trote.


Norminha já nos deixou e a Penha, "irritantemente saudável", mora em uma cobertura na Vieira Souto, lê diariamente as minhas crônicas e comenta.


Continua bela!


Gabriel Novis Neves

13-07-2022









O "calouro" GABRIEL, no"trote" do vestibular










Restaurante CALABOUÇO, Rio de Janeiro








 



 







terça-feira, 19 de julho de 2022

Dr. ARTAXERXES NUNES DA CUNHA

 

Chegou para clinicar em Cuiabá um pouquinho depois de mim e era mato-grossense do sul.


Clínico geral, um dos últimos que conheci, extremamente minucioso nos exames dos seus pacientes.


Seu exame físico era geralmente com seus pacientes totalmente despidos de roupas, sendo temido por alguns.


Suas pastas com a anamnese eram super organizadas, escritas com caligrafia e gramáticas impecáveis, facilitando a leitura de todos que a manuseavam.


Durante muitos anos, com o seu inseparável colega Dr. Luís de Almeida Figueiredo, chefiaram a Clínica Médica do Hospital Geral.


Incontáveis vezes pedi o parecer do Dr. Artaxerxes, para as pacientes das enfermarias de obstetrícia e ginecologia.


Gostava muito de comparecer à sua salinha para esclarecer dúvidas dos seus pareceres médicos, que ficava no segundo andar do Hospital e Maternidade.


Dr. Artaxerxes, sempre com o estetoscópio no pescoço pendurado nos ombros, atendia enfermos em casa e no serviço médico da Assembleia Legislativa de Mato Grosso, onde foi chefe por longos anos até se aposentar.


Tenho um irmão que por anos trabalhou na Assembleia, e até hoje sente saudades do seu médico que clinicava, não sentado em cadeiras vibradoras, com larga mesa e computador separando-o dos pacientes.


Fazia um exame clinico minucioso, que produzia um conforto em seu paciente, com receita quando necessária e raramente um pedido de exames complementares.


Nos dias atuais, infelizmente, a tecnologia substituiu o exame clínico por inúmeros e, as vezes inúteis exames complementares, afastando os pacientes pobres da saúde pública.


Dr. Artaxerxes não ficou rico exercendo a profissão de médico, pois não era seu propósito, dedicando o seu maior tempo ao atendimento dos carentes.


Homem extremamente educado, humano, inegociável em questões éticas e morais.


Gostava de se reunir à noite para conversar sentado em cadeira de balanço na calçada da casa da dona Dulce, líder política importante da Cuiabá antiga, na Praça Bispo Dom José.


Seus parceiros de papo eram os vizinhos da dona Dulce, como o professor Lídio Modesto, Hermínio Pastel, músico e funcionário público, pai do cantor Juarez Silva.


Luís Portela administrador público e, seu irmão Portela craque de futebol.


Benedito Pedro Dorileo, reitor da UFMT e, José de Carvalho, fundador do Clube Esportivo Dom Bosco.


Todos os políticos importantes como seu irmão Sebastião e Cleómenes Nunes da Cunha (primo), ambos deputados estaduais, frequentavam as conversas, na porta da casa da Dulce.


Ali no “rodão” de amigos, ele se desligava da medicina e tomava conhecimento de tudo que acontecia na cidade.


Foi o último médico do meu pai e, o atendia em casa, sem nunca ter cobrado honorários médicos.


A família Novis Neves tem imensa gratidão ao médico Dr. Artaxerxes, pai do nosso querido editor do blog do Bar do Bugre, Dr. João Nunes da Cunha Neto.


Gabriel Novis Neves

 21-06-2022


N.E.: Dr. Artaxerxes Nunes da Cunha é Patrono da cadeira n. 6 da Academia de Medicina de Mato Grosso. Formou-se médico pela Faculdade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro no ano de 1954.

(Atualmente, é a Escola de Medicina e Cirurgia da UNIRIO. Fundada em 10 de abril de 1912, a EMC é a segunda faculdade de medicina mais antiga do Rio de Janeiro e uma das mais tradicionais do Brasil, fazendo parte da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) desde 1979.)






MÉDICO DO FLAMENGO


Dos meus colegas quatro seguiram carreiras pouco habituais.


Dois se tornaram cientistas pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz em Manguinhos, no Rio de Janeiro.


Luiz Fernando Rocha Ferreira da Silva (também poeta) e Sérgio Gomes Coutinho, por anos estagiaram pelos principais Centros de Pesquisas dos Estado Unidos e Europa.


Professores da Escola de Saúde Pública da FIOCRUZ (Fundação Oswaldo Cruz) e membros da Academia Brasileira de Medicina.


O Brito, colega do CPOR, se especializou em medicina aeronáutica.


Encontrei-o por acaso no salão de embarque do Aeroporto de Brasília quando me disse que era chefe do serviço médico da Aviação Civil Brasileira.


O mais conhecido foi o italiano naturalizado brasileiro Giussepe Taranto, que praticou durante toda a sua vida, medicina esportiva.


Foi estagiário do Clube de Regatas do Flamengo, chefe do serviço médico do clube, durante o seu período de Ouro (1970-1980).


Conheceu todo Brasil, países das Américas e Europa.


Também alguns países Africanos e Asiáticos.


Nos jogos do Flamengo ficava no banco do técnico e jogadores reservas.


Quando um jogador se machucava era ele quem decidia se o jogador continuava em campo ou seria substituído.


O Flamengo veio à Cuiabá jogar pelo campeonato brasileiro da época.


Era um domingo pela manhã quando recebi uma chamada telefônica.


Era do Taranto.


Ele sabia que eu era cuiabano, morava aqui e era reitor.


Disse que estava hospedado no Hotel Fenícia com a delegação do Flamengo e que gostaria de me dar um abraço.


Perguntou se eu tinha filhos menores.


Diante da minha resposta, perguntou se eles eram torcedores do Flamengo e se eles gostariam de conhecer o Zico, em pleno apogeu da fama de ídolo de futebol de um time popular.


Ele sabia que eu não era Flamengo.


Coloquei os meus dois filhos no carro.


Em poucos minutos estava estacionando na porta do Hotel dos Hadads, cheio de seguranças.


Cheguei na recepção e pedi que chamassem o Dr. Taranto.


Minutos depois estava abraçando o meu colega, cujo último contato foi no dia 15 de dezembro de 1960, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, quando graduamos em medicina pela UB.


Conversou com os meus garotos e disse que os levariam até o quarto do Zico, que acabara de acordar às 11 h da manhã.


Pegamos o elevador e paramos no andar onde estava o ídolo.


Taranto abriu a porta do quarto, que não estava fechada com chave.


O Zico de calção e sem camisa tinha acabado de tomar o café e estava sentado na cama.


Ele mal olhou para mim e os meninos e, com desdém, a pedido do seu médico, autografou as duas camisas do Flamengo.


Zico foi um craque de sucesso no Maracanã.


Participou de três Copas do Mundo (1978-1982- 1986) e nunca foi campeão, nem eleito o melhor jogador do mundo, mesmo tendo jogado na Itália.


Encerrou a sua carreira de jogador de futebol no Japão.


Fracassou como técnico de futebol na Ásia, e até hoje é funcionário de um time no Japão.


Anos depois fui jantar no antigo restaurante Getúlio.


No calçadão eram colocadas mesas que atendiam fregueses de petiscos e cerveja.


Tinha acabado de sentar em uma mesa com a minha mulher quando o maitre veio me dizer que o Zico estava do lado de fora, provavelmente com o seu empresário.


Me indagou se não gostaria de ir até lá para cumprimenta-lo e lhe pedir autógrafos.


Agradeci a gentileza e preferi saborear o pacu cuiabano.


Gabriel Novis Neves

25-06-2022