terça-feira, 22 de junho de 2010

Senti falta

Ninguém duvida da existência de um ser superior - nosso Criador. Ele é conhecido no mundo com vários nomes. Deus para os católicos, protestantes, evangélicos, adventistas, espíritas, entre as inúmeras religiões do ocidente. Os muçulmanos, judeus, budistas, asiáticos, também acreditam num Criador, só que com outros nomes. Os nossos irmãos africanos, que tanto influíram na nossa cultura religiosa, possuem inúmeros deuses. Até os mais primitivos dos povos tinham os seus deuses, a quem temiam e veneravam. Os agnósticos ”acreditam” também, apesar de negarem o seu Deus.

Sou da cultura religiosa que chama o Criador de Deus. Que fez o mundo em seis dias, e no sétimo descansou com a sua obra concluída. Acredito no Deus do Bem, que tez a terra, os rios, os mares e oceanos. As florestas, desertos, cerrados, pântanos e geleiras. As montanhas, as serras e os picos mais altos do mundo. As flores, os espinhos. O céu, a lua, o sol, as estrelas, as nuvens. O frio, o calor, a chuva e a seca. As tempestades e a bonança. A vida no fundo dos oceanos, mares e rios. A vida na terra. Foi Deus que criou também, para habitar esta maravilha criada por ele, os seres racionais – que somos nós, e os irracionais. Todos somos filhos do mesmo Deus, destinados a perpetuar a vida na Terra.

Caminhando pela calçada da Avenida Miguel Sutil senti falta de alguma coisa. Mas, de quê? As calçadas da avenida continuavam as mesmas: imundas de detritos que o serviço público ausente tornou normal para a maioria dos animais racionais desta cidade, permutando com os terrenos baldios as suas sujeiras. Confesso que ao longo da caminhada o resultado da permuta ficou empatada.

Tudo parecia igual ao de sempre, mas eu não conseguia atinar o motivo da minha sensação de que algo estava diferente. Recorri então ao meu Deus pedindo uma luz para clarear o meu entendimento. Sei que ELE deve estar bastante ocupado com problemas mais graves do que a de um velho desmemoriado numa Avenida de Cuiabá. Mas, como fui ensinado que todo pedido feito a ELE não fica sem resposta, arrisquei. Após ter feito o pedido dei uma olhadinha para o céu, assim como para me desculpar por sobrecarregar o SEU trabalho com coisa tão pequena. E... Aconteceu! ELE de pronto me atendeu – assim penso eu. Não vi as propagandas vinculadas em enormes Front-lights que ficam no trajeto da minha caminhada. ELE me atendeu despertando a minha razão. Lembrei-me de uma lei obrigando a retirada dos enormes painéis de material de propaganda enganosa. A conduta da retirada daquele material ecologicamente incorreto do nosso visual foi uma medida salutar. O que não consigo entender, e desta vez não irei importunar o meu Deus, é porque não fizeram o trabalho completo de despoluição visual retirando os imensos postes de sustentação dos painéis dos Front-lights.

O canteiro central das avenidas foi construído, não com a única finalidade de separar as pistas de automóveis, mas também para plantar palmeiras, ou qualquer outra planta. Ficando como está, com as pesadas armações, dá a todos a impressão que a lei deixará de existir após as eleições. Bem que um amigo me disse outro dia, que a presença das armações dos Front-lights, sugere uma cova de cemitério com o caixão colocado na profundidade regimental sem terra por cima. Que é inexplicável é.

Daí o meu sentimento de falta, que permanecerá enquanto esses monstrinhos não forem retirados. Talvez as nossas autoridades estejam esperando a autorização da FIFA, que durante a COPA DO MUNDO, poderá utilizá-la para propaganda. A FIFA pode. Será que, com a poluição visual durante a COPA, não irei mais sentir falta, ao caminhar pela Avenida?

Gabriel Novis Neves
17/06/2010

segunda-feira, 21 de junho de 2010

SONHOS

Para a criança tudo é sonho, imaginação e brincadeira. É o período em que a fantasia reina absoluta. Os contos de fada - onde o bem sempre vence o mal, fazem parte do brincar. É por excelência, o mais alegre e descontraído período da nossa vida. A criança, na sua pureza de sentimentos, desconhece os valores dos adultos: dinheiro, orgulho, ambição, competição, vaidade e tantos outros. O sinal mais forte de que já chegamos à fase adulta é quando paramos de fantasiar e brincar.

Na minha transição de criança para adulto, sonhei em ser médico. Nasci e fui educado em uma pequena cidade do interior do Brasil – Cuiabá. Conhecia todos os médicos da minha cidade, que em atividade, não chegavam a vinte. Observava o ambiente em que viviam e como exerciam a sua profissão: com dedicação, humanidade, desprendimento, e acima de tudo, solidariedade. Esses foram os ingredientes que me impulsionaram para a escolha de ser médico. Infelizmente os tempos agora são outros. Estou completando neste ano as minhas bodas de ouro como médico. Participei da transformação da medicina humanística e solidária, para a medicina tecnológica e de disputa de mercado. Aquele grupo pequeno e unido da minha infância faz parte da história da Medicina. Hoje temos grupos de médicos em disputas internas e externas pelo mercado. Nesta verdadeira guerra desaparecem a ética e a solidariedade, e impera a desunião. O motivo, na maioria das vezes, é oriundo de interesses pessoais.

Não queria abordar este tema, mas acho que devemos refletir sobre a união da classe médica, não no aspecto do saudosismo, mas visando resgatar os antigos valores da nossa profissão. Fui pesquisar a fonte de inspiração para um assunto tão polêmico. Acho que descobri! Anda lendo críticos, letristas da música popular brasileira e poetas. Só quem leu que “o sonho é o domingo do pensamento” coloca em discussão um tema politicamente incorreto para muitos. Os médicos devem voltar a ter sonhos como as crianças, e o tratamento é a união da classe.

Vou contrariar Luis de Camões no seu secular alerta: “coisas impossíveis, é melhor esquecê-las que desejá-las”. Mesmo assim, conclamo os colegas a se lembrarem de que o “desejo de ser curado, faz parte da cura”.

Gabriel Novis Neves
17/05/2010


* Publicado simultaneamente no http://www.bar-do-bugre.blogspot.com/

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Médicos antigos

“Olhai por todos esses homens de branco que se propõem a salvar vidas e a prevenir doenças” – São Lucas

Fiz o meu curso de Medicina, na escola da Praia Vermelha da Faculdade Nacional de Medicina da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, antiga capital do Brasil. O prédio da escola era de uma arquitetura belíssima. Templo da Medicina Brasileira (1918 -1978) foi demolido pelo desinteresse de uma geração. A Universidade mudou-se com a capital federal para Brasília. Muitos chamavam a nossa escola de Matriz numa alusão irônica às outras designadas de Filiais.

A festa de conclusão do meu curso de graduação foi no Theatro Municipal, há meio século. Naquela época existiam no Brasil apenas vinte e três escolas médicas, que formavam médicos. Muitos dos meus colegas naquela noite histórica estavam no palco e as suas noivas nas galerias. Após este ato solene retornaram às suas origens, aptos ao casamento e ao exercício da profissão. Devido as minhas deficiências de aprendizagem, permaneci ainda cinco anos me preparando para o retorno à Cuiabá.

Gostaria de ter sido contemporâneo e colega de Lucas, o médico evangelista. Lucas era chamado pelos seus clientes de “meu amado médico”. Como faz falta para o exercício profissional da Medicina, a confiança do cliente em seu médico, e do médico em seu paciente. Sem esta cumplicidade, acho impossível o atendimento médico de qualidade.

Esta é uma realidade que todos nós vivenciamos, e nos sentimos impotentes para revertermos essa situação tão perniciosa à sociedade, e que permite o aparecimento do técnico em doença.

Aqueles médicos de mais de meio século, estão em extinção, pelo processo natural da vida terrestre com o seu finito. A Medicina humanitária exercida por Lucas, nosso colega e padroeiro, com sua dedicação piedosa e amor ao próximo, em especial aos mais pobres e humildes, deveria permanecer sempre viva nas mentes e corações de todos os médicos. Mas, os ensinamentos de Lucas parecem que a cada dia ficam mais esquecidos. O nosso padroeiro só é lembrado nos mega eventos em outubro, quando o calendário comercial reserva um dia para os médicos comemorarem o seu dia.

Como seria bom, se a ciência médica fosse colocada ao alcance de todos e os seus médicos amados pela população!

Gabriel Novis Neves
12/03/2010

*Publicado simultaneamente no
www.bar-do-bugre.blogspot.com

quinta-feira, 15 de abril de 2010

PARTOS

Justa e merecida a homenagem prestada à várzea-grandense Emília Soares pela comemoração dos seus noventa e dois anos de nascimento. Parteira, foi responsável por mais de mil partos naturais. Aprendeu o difícil ofício com sua mãe - também parteira –, acompanhando-a em suas andanças desde os doze anos de idade. Casou-se com Manuel Pinto de Arruda, tiveram treze filhos, oito dos quais nasceram pelas mãos de sua mãe. Os quatro últimos nasceram em suas próprias mãos com o auxílio do marido – na rede. O marido observava e entregava-lhe os materiais necessários: tesoura esterilizada no fogão de lenha, toalha limpa e um pedaço de fio para amarrar o cordão umbilical. Após o parto a placenta era enterrada no quintal, e o umbigo, quando caía, jogado em cima do telhado. Muita gente famosa nasceu com ela, inclusive médicos.

Li com avidez a entrevista que ela deu ao Jornal A Gazeta. Comovente! Uma heroína! E existem muitos desses heróis anônimos, observando os nossos valores atuais! Dona Emília deveria ser reconhecida pela Universidade com o título de Doutor, ou Professor Emérito, pelos serviços prestados à medicina, pelo seu exemplo de solidariedade humana, hoje tão distante da formação do médico.

A entrevista foi uma verdadeira aula sobre parto. Hoje, em clínica privada, só nascem crianças de parto normal se a gestante se internar em período expulsivo. Quase cem por cento nascem de parto operatório – cesariana. Os alunos de medicina, e muitos médicos jovens, nunca assistiram, e até confundem parto normal com parto natural. O parto normal é realizado com acompanhamento médico, durante o qual é administrado algum tipo de medicamento. Dona Emília e a sua mãe sempre realizaram o parto inventado por Deus: o parto natural feito em casa, sem o uso de qualquer medicamento.

Os modernosos são contrários ao parto natural, e condenam o parto domiciliar, mas fazem campanha e discursos a favor do “Parto Humanizado” - tão do agrado do Ministério da Saúde que, inclusive, repassa incentivos financeiros para essa prática!

Dias atrás conversei com uma colega que faz Medicina nos Estados Unidos, país dos especialistas e da melhor Medicina do mundo. Perguntei-lhe em que área atuava. “Faço obstetrícia domiciliar”, respondeu-me. A seguir quis saber sobre o perfil das suas clientes. “Gente com muito dinheiro, artistas famosas, escritoras, poetas, professoras universitárias, modelos consagrados”- esclareceu-me. “E o custo?” – indaguei. “Caro – ela respondeu -, pois é montado na casa da gestante um mini hospital, - mais para dar segurança à gestante do que pelo parto em si – um fenômeno natural como a própria Natureza.

Um exemplo recente de parto natural foi o da famosa brasileira Gisele Bündchen. E, não me venham dizer que ela parindo naturalmente em casa e amamentando é um péssimo exemplo! Também não creio que essa mulher riquíssima e famosa, que poderia fazer uma cesariana em qualquer hospital do mundo e com a melhor equipe médica, estivesse desinformada a ponto de dar um mau exemplo e correr risco de morte materno-infantil. Nessas condições o parto natural feito pela Dona Emília é o indicado.

Gosto e admiro os vencedores. Dona Emília, pela sua trajetória de vida, passa a pertencer a minha galeria de exemplos a serem seguidos. Obrigado, professora, pela aula.

Gabriel Novis Neves
11/04/2010
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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Marcar consulta médica

Dizem que o brasileiro mata um leão por dia para sobreviver. Atualmente, porém, mata de hora em hora. Sou um dos sobreviventes do Brasil romântico, ético, e da Cuiabá das cadeiras de balanço nas calçadas. Sou do tempo dos brinquedos infantis não industrializados e dos políticos que morriam pobres. Sou do tempo em que todo médico visitava e medicava os seus pacientes em casa. Na época do parto, mudava-se para a casa da parturiente. Fui “enfermeiro” do meu avô, especialista na clínica dos três “P”: parente, pobre e padre.

Acompanhei a chegada dos tempos modernos, e de certa forma, fui um ativista nessa transformação. Na área da saúde estive na sala de parto por ocasião do nascimento dos seus cursos, especialmente dos dois de medicina. Tenho sistematicamente combatido a desigualdade social com a preconceituosa divisão dos cidadãos, em seres de 1ª e 2ª classes. Infelizmente essa classificação existe em todos os segmentos da nossa sociedade, inclusive na saúde.

A Medicina, com exceções para confirmar a regra, tornou-se uma profissão desumanizada. Os médicos mais jovens são vítimas desse perverso modelo econômico, que não valoriza a vida e sofrem com o sofrimento dos seus pacientes. Grande parte da nossa população depende do desumano SUS. Uma pequena parcela possui algum tipo de plano de saúde - que atualmente não tem muita diferença do SUS. A minoria das minorias consegue chegar às ilhas de excelência no atendimento médico. Quem chega lá geralmente são os funcionários graduados do poder público, em todo o seu conjunto: executivo, legislativo e judiciário. As despesas são pagas pela mãe pátria, pois já escutei dizer que eles não são “qualquer um”. Alguns milionários também freqüentam essas ilhas.

Considero-me um privilegiado, embora não seja nem político, tampouco milionário. Os meus médicos hoje, ou foram meus alunos, ou colegas universitários. Por ocasião das minhas consultas rotineiras faço como todo cidadão de 1ª classe, que é aquele que possui plano de saúde. Telefono para o consultório do colega, falo com a secretária e peço para agendar um horário para mim. Aviso que já sou cliente, para não cair na malha da primeira consulta. Muitos colegas não atendem mais pacientes novos de planos de saúde, salvo os que se mudaram para as ilhas de atendimento médico de excelência. A secretária que me atendeu recentemente me informa que horário para consulta só na última semana de abril. Indago espantado: “você sabe que dia é hoje?” Ela calmamente respondeu que sim. Aí, não resistindo a uma brincadeira, falei: “daqui a pouco chegarei aí com a polícia e você será algemada juntamente com o responsável pela orientação.” Do outro lado da linha escuto: “Uh!” E antes que ela pudesse expressar mais claramente o seu medo eu caio na gargalhada. Ela então sorri – meio aliviada – e na maior naturalidade marca a consulta para o dia seguinte.

O tratamento médico que recebo dos colegas é de carinho para com o seu decano. Marcar uma consulta médica por um plano de saúde é uma aventura. E os nossos irmãos do SUS? Lá não vou, pois não tenho mais tempo de vida para esperar por uma consulta para, talvez, após a Copa de 2014. Se para marcar uma simples consulta médica é matar um leão, adeus ao humanitarismo!

Gabriel Novis Neves
18/02/2019


* Publicado simultaneamente no http://www.bar-do-bugre.blogspot.com/

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

FILTRO SOLAR

Frei Leonardo Boff conta uma história ocorrida com ele. Relata que todo dia, durante o trajeto entre o seu alojamento e a universidade em que fazia um doutorado na Alemanha, era acompanhado por um cachorro vira lata. Ficou encasquetado tentando entender o que fazia aquele cachorro o seguir todo dia, apesar de achar que era uma boa companhia. Um dia, no meio do percurso ele parou. O cachorrinho fez o mesmo. Continuou a caminhada - seu fiel acompanhante também. Novamente parou, e agachado, indaga ao cachorro: “- você quer ser gente?” O animalzinho colocou o rabo entre as pernas e sai em desabalada carreira. Nem para trás olhou. Impressionado com a cena o teólogo pensou: “nem cachorro quer ser gente!”

Waldick Soriano, ícone da música classificada como brega, fez grande sucesso nos anos sessenta com a música “Eu não sou cachorro não” – (humilhado, desprezado). Esta frase, inserida dentro da letra da música, com certeza, serviu para muita gente externar sua dor de cotovelo, ou simplesmente, seu modo de vida.

Há meses escrevi um artigo sobre câncer de pele. Mato Grosso hoje é um Estado de alto risco para essa doença. Temos um clima desértico e uma população, especialmente a rural, de brancos com olhos azuis - e DNA europeu.

Mesmo os que moram em Cuiabá e trabalham em escritórios refrigerados, são aconselhados pelos dermatologistas ao uso do filtro solar – é preciso se proteger do calor até a chegada ao trabalho. Imaginem agora a nossa gente do interior! Quase todos os espaços rurais são ocupados pelos trabalhadores do agro negócio. Os filtros solares usados pelos patrões custam caro, mas eles têm dinheiro para comprar. Os seus empregados dependem da Farmácia de Alto Custo.

Certa ocasião, como sempre, não havia na dita farmácia alguns medicamentos essenciais à manutenção e preservação da vida de muitos pobres, por exemplo: filtro solar. Para justificar essa falha inadmissível, as autoridades responsáveis divulgaram amplamente pela imprensa que a responsabilidade era dos médicos que estavam receitando em demasia os filtros solares. Para essas autoridades, são produtos supérfluos e caríssimos! Na realidade os médicos estavam apenas fazendo um trabalho de prevenção do câncer de pele nos trabalhadores mato-grossenses.

Hoje, no café da manhã, assistindo a um jornal televisado, escuto a manchete: “já existe protetor solar para cachorros, eles precisam de protetor solar durante o verão”. As lojas especializadas estão praticamente com os seus estoques acabando!

Agora pergunto: pertencemos à sociedade do cachorro do Frei, que não quer ser gente; ao do vira lata maltratado do cantor ou ao do grupo do cachorro que usa filtro solar?

Gabriel Novis Neves
05/01/2010


* Publicado simultaneamente no www.bar-do-bugre.blogspot.com