segunda-feira, 23 de novembro de 2015

ESCOLAS PRIVADAS DE MEDICINA


Os estudiosos do ensino médico estão preocupados com o aumento das escolas médicas privadas em nosso país.
Para melhor compreensão basta recordar que em 2003 tínhamos 64 escolas particulares e em 2015 esse número saltou para 154, segundo levantamento feito pelo Conselho Federal de Medicina e publicado no Jornal Medicina de agosto de 2015.
Enquanto isso, no mesmo período, as escolas públicas aumentaram seus estabelecimentos de 62 para 103.
Isso comprova um crescimento desordenado e sem qualidade que compromete a qualidade dos futuros profissionais da saúde.
Em números totais o volume de escolas médicas também mais que dobrou. Esses dados podem mudar nos próximos meses, pois 36 municípios já conseguiram autorização para receber novos cursos de Medicina.
Até fins de 2016 nossa nação contará com 293 escolas funcionando. Com um agravante: mais 22 novos municípios solicitaram permissão para funcionar suas escolas médicas, o que pode elevar esse número para 315.
Temos hoje em atividade no país 257 cursos. 69% estão localizados nas regiões Sudeste e Nordeste. 158 cidades brasileiras têm escolas médicas. 
Os Estados de São Paulo e Minas Gerais concentram um terço das instituições.  As escolas particulares cobram mensalidades que chegam até R$ 11.706,15, com média de R$ 5.406,91.
Liderando o ranking dos Estados com maior número de escolas pagas temos São Paulo com 44, Minas Gerais com 39 e o Rio de Janeiro com 19.
Nas últimas posições, com uma escola cada, temos o Amapá e Roraima, sendo as duas públicas.
Colocando didaticamente o quadro de distribuição de escolas médicas em nosso país, dificultando em parte a fixação do médico no interior, temos o seguinte quadro:
Região Sudeste - 107 escolas com 10.577 vagas.
Região Nordeste - 63 escolas com 5.553 vagas.
Região Sul - 41 escolas com 3.449 vagas.
Região Centro-Oeste - 24 escolas com 1.917 vagas.
Região Norte - 22 escolas com 1.787 vagas.
Apesar de possuirmos em funcionamento o dobro de escolas médicas que os Estados Unidos da América do Norte, continuamos importando médicos com baixa qualificação científica para atender inúmeros municípios sem médicos e sem estrutura física para um atendimento básico.
Algo terá que ser revisto para a saúde de 75% da nossa população dependente do atendimento público (SUS) - de 200 milhões de habitantes.
Aguardemos lucidez dos nossos governantes para corrigir essa injustiça, se é que o problema se resuma à falta dela.

Gabriel Novis Neves
04-11-2015


* Publicado simultaneamente no www.bar-do-bugre.blogspot.com

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Breve


Quando iniciei os meus estudos formais na Escola Modelo Barão de Melgaço, aprendi, entre outras coisas, que para usar o sanitário da instituição existia um protocolo.
Na mesa da professora havia uma pequena placa de madeira que indicava vacância do lugar para uso fisiológico de emergência.
Os alunos, quando em necessidade, sempre pediam permissão à professora, que autorizava sua utilização, mas com a recomendação de não demorar...
No começo da minha atividade como médico parteiro em Cuiabá, a maioria dos partos era realizada em domicílio. Os demais, na pequena maternidade da Rua 13 de junho.
Quando o trabalho de parto ultrapassava os limites possíveis do tempo, havendo risco de vida para o binômio feto-mãe, a parteira que atendia a intercorrência pedia para um familiar buscar o “breve” na casa da última parturiente, que havia utilizado com sucesso.
Consta da nossa história que uma oração milagrosa foi embrulhada em uma pequena bolsa de tecido comum e presa em cordão que era colocado pela cabeça da parturiente.
Esta agarrava forte aquela relíquia que, segundo a lenda e depoimentos de pessoas da época, produziam uma expulsão fetal da cavidade uterina quase imediata.
Após mais um sucesso dessa crença, na devolução, um novo tecido era colocado em cima da bolsa inicial.
Eram tantas as solicitações para uso desse amuleto para o parto rápido, que o aumento das camadas de tecido fizeram um cordão do tamanho de uma grande bolacha.
Certa ocasião, um experiente obstetra foi chamado à casa de uma mulher com complicado e demorado período expulsivo.
Analisou bem a situação e ia retirando da sua bolsa de emergência um pequeno fórceps francês para a extração de alívio do feto, já com uma tremenda bolsa serosanguinolenta na região vulvar, quando, em contração, com firmeza máxima ao apertar o “breve”, aconteceu aquilo que o doutor imaginava não ser possível sem ajuda da tecnologia.
O recém-nato nasceu chorando, para alegria de todos que comemoraram tomando a urina da criança - um bom vinho português.
Curioso com tudo que presenciou, e ciente da fama do “breve”, que significava parto rápido, o parteiro pediu permissão para conhecer a oração milagrosa.
Com uma gilete desfez todas as costuras e, finalmente, encontrou um pequeno papel com a seguinte inscrição: “Quer parir, pari, não quer, não pari”.
Ficou provado que a medicina não faz milagres, e que a fé, realmente, remove montanhas.

Gabriel Novis Neves
19-10-2015


* Publicado simultaneamente no www.bar-do-bugre.blogspot.com

terça-feira, 10 de novembro de 2015

MEDICINA


Estatísticas recentes indicam que mais de cinquenta milhões de brasileiros, para não serem vítimas da omissão constitucional do Estado, utilizam algum plano ou seguro de saúde para sua manutenção pessoal.
Comercializada, a relação médico-paciente desaparece, surgindo um vínculo voltado ao lucro, inviabilizando o exercício da medicina hipocrática, pontuada muito bem pelo Presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM).
O médico passa a ser chamado de “prestador de serviço” e o cliente de “usuário”.
O antigo facultativo é remunerado pelas leis do mercado, e os contratos de serviços prestados receberam o apelido de “pacotes” e “pacotinhos”.
Os honorários profissionais desapareceram dos trabalhos médicos e o mercantilismo atingiu também o ensino da medicina, onde centenas de novas escolas foram autorizadas a funcionar a partir de 2003, sendo que 69% delas são privadas.
As mensalidades nessas escolas privadas chegam a atingir a incrível cifra de onze mil reais mensais, ficando na média de cinco mil e quatrocentos reais.
O Ministério da Educação, através de normas, define critérios para um município sediar uma escola médica, entretanto, os mesmos nem sempre são respeitados, segundo o Conselho Federal de Medicina.
Essas escolas, assim criadas e implantadas, confiam na cumplicidade ou incapacidade de fiscalização do MEC que, com deficiência de técnicos e recursos financeiros, acaba com os sonhos dos estudantes de frequentar uma qualificada casa de ensino.
Dessa forma, a segurança dos pacientes com bons médicos no sistema de saúde termina frequentemente em enorme frustração.
É oferecido à população um ensino-aprendizado de péssima qualidade, formando profissionais com insuficiência de conhecimentos científicos para o exercício da mais humana das profissões.
É intolerável esta realidade, que tem como sustentação, apenas, ganhos empresariais e ambições político-partidárias.
Temos de tratar de obter propostas de interesse público, e apagar esse vergonhoso quadro.

Gabriel Novis Neves
26/10/2015


* publicado simultaneamente no www.bar-do-bugre.blogspot.com

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Cesarianas


Constato, com pesar, o abusivo e indiscriminado uso de cirurgias cesarianas.
O Brasil é um dos países recordistas nesse procedimento que determina mês, dia e o horário de nascimento de nossas crianças.
A cirurgia obstétrica foi uma das grandes conquistas da medicina moderna - quando usada com critérios preestabelecidos através de protocolos internacionais.
Não obedecidas as normas   protetoras da saúde do binômio mãe-feto, transforma-se em notícias das páginas policiais.
A mulher, que a princípio foi programada pela mãe natureza para o parto natural, aos poucos viu esse privilégio ser colocado como excepcionalidade na reprodução humana.
A extração cirúrgica do feto, mesmo antes da data provável do parto, salvou da morte, milhares de mulheres e de recém-natos.
Para esse aumento incontrolável da taxa de partos cirúrgicos, múltiplos fatores foram determinantes.
A judicialização da medicina e a remuneração não condizente ao período de trabalho de parto, cuja duração varia de 10 a 12 horas, além da implantação, com sucesso, da ideologia da eficiência tecnológica pelas mídias, foram, com certeza, fatores preponderantes.
Acrescente-se a isso, o despreparo de muitas das nossas escolas médicas na formação de obstetras, além da desumanização que tem sofrido a medicina nas últimas décadas.
Em algumas clínicas particulares o parto natural só acontece se a gestante for internada em período expulsivo.
Nas maternidades públicas a taxa de partos cesáreos é, pelo menos, o dobro da recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
O nosso sistema educacional tradicional básico é um grande incentivador do “parto sem dor”, tido e sabido, erroneamente, como sendo a cesariana.
Por essas razões, pesquisas entre gestantes demonstram uma maior preferência pelo parto cesáreo, isso sem falar na possibilidade de uma laqueadura das trompas durante a cirurgia, e que acaba se tornando o sonho anticoncepcional de muitas mulheres.
Para inverter esse quadro equivocado seriam necessárias, não apenas campanhas sazonais, mas,   principalmente, uma abordagem já nos ensinos fundamental e médio - complementadas pela educação caseira.
Nossos governantes precisam também ter uma visão social para este problema que vem se tornando um flagelo de saúde pública no nosso país.

Gabriel Novis Neves
09-10-2015


* publicado simultaneamente no www.gnn-cultura.blogspot.com