terça-feira, 28 de outubro de 2014

ÉTICA MÉDICA


Em qualquer relacionamento a ética é soberana. No entanto, na relação médico-paciente ela é vital e única.
Os ginecologistas em sua prática diária enfrentam um dos grandes desafios da Medicina: cuidar da mulher durante o seu período pré e pós-reprodutivo.
A Medicina evoluiu, mas o médico vem perdendo, e muito, o seu relacionamento com o paciente.
Ele não tem mais a necessária disponibilidade de tempo a uma boa anamnese (nela incluída o "ouvir” queixas, e não somente anotá-las).
O tempo de uma consulta ficou muito reduzido para a maioria dos médicos brasileiros que trabalham por produtividade, atendendo pacientes de planos de saúde e do SUS.
Sem essa relação humana, cujo tempo da consulta é determinado pela necessidade do paciente, não há possibilidade de que se estabeleça uma boa relação médico-paciente, que é fundamental para um bom diagnóstico.
É inadmissível o afastamento dos ginecologistas desse objetivo maior da sua profissão – a ética.
A paciente para ter seus males aliviados pelo avanço da Medicina e da Tocoginecologia necessita que seus médicos não se afastem dos princípios hipocráticos.
Repito, a relação médico-paciente constitui a base fundamental no tocante à saúde da mulher.
Sabemos que o momento é delicado para a classe médica, que vive uma das piores crises de identidade na história do país, cuja causa principal é a baixa remuneração e valorização profissional.
Interessante lembrar que em pesquisa recente de grande credibilidade científica, apenas 1% das pacientes escolhe o seu ginecologista pelo seu currículo acadêmico, transformado em “fama”.
Indicação de amigas, familiares e de outro médico constituem 62% da preferência.
Já nos convênios, esse percentual sobe para 32%, mesmo quando indicados por amigas, familiares e médicos, a maioria dessas clientes pertence a um plano de saúde.
As do SUS nem direito têm de escolher o seu médico.
É apenas um número em uma imensa fila de espera.
A maior exigência da paciente numa consulta é o comportamento ético do médico, hoje negado pela massificação do atendimento e sua desumanização.
Frente a esses pequenos dados de uma pesquisa científica, podemos avaliar a qualidade dos nossos serviços médicos no que se refere à ginecologia.
Existem as ilhas de excelência em atendimento médico no Brasil, mas infelizmente para poucos.

Gabriel Novis Neves
26-10-2014


*Publicado simultaneamente no www.bar-do-bugre.blogspot.com

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Que mundo!

Como são ingratas certas profissões! A do médico, por exemplo.
Dias atrás li um artigo em uma revista médica o relato de um dos maiores neurocirurgião acerca de uma complexa cirurgia que teve a duração de mais de doze horas.
Após a realização cirúrgica dirigiu-se aos familiares do paciente que aguardavam apreensivos pelo resultado.
Durante alguns minutos explicou a gravidade da intervenção e disse que, apesar das dificuldades técnicas do ato cirúrgico, o prognóstico era bom, tudo dependendo da evolução do pós-operatório imediato.
Após responder as inúmeras perguntas dos familiares e amigos do paciente, pediu permissão para se retirar, pois precisava descansar e o paciente estava sob os cuidados especializados na UTI.
A família alegre agradeceu “aos céus” pelo sucesso da cirurgia de alto risco.
O médico está treinado e preparado com este tipo de reação. Ele sabe que a ele só cabe a paternidade dos procedimentos malsucedidos.
Médico não cura, às vezes ajuda a aliviar o sofrimento. Não costuma esperar pelo reconhecimento dos seus pacientes pelos sucessos alcançados.
Não se sente injustiçado por esse hábito da nossa cultura. Essa é a vida de quem se dedica a essa profissão.
Outro exemplo de profissão ingrata é a do profissional da construção civil, especificamente, a de pedreiro. Esta, além de ingrata, é, muitas vezes, injusta com o profissional.
São eles – os pedreiros - os escultores de edifícios e apartamentos de beleza extraordinária. Entretanto, após a conclusão de seu trabalho não podem nem contemplar a beleza de sua obra. 
Soube outro dia que um homem humilde estava em frente a um edifício e que lá ficou por um determinado tempo olhando para o prédio. O porteiro, incomodado com a presença do estranho, avisou o síndico, que foi conversar com ele.
Ao retornar, o síndico esclareceu ao porteiro que aquele homem era um simples pedreiro, e que ele fez parte da equipe responsável pela construção do prédio.
O pedreiro estava, tão somente, admirando a sua obra de arte. Por sua simplicidade foi interpelado pelo síndico e, teve sorte, poderia ter sido pela polícia.
Assim são certas profissões – poderia citar umas tantas dezenas delas onde o reconhecimento do profissional não é frequente. Muitos ficam no anonimato e outros têm sua destreza e sucesso computados a outros.

Gabriel Novis Neves
05/02/2014


* Publicado simultaneamente no www.bar-do-bugre.blogspot.com

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

CONFERÊNCIAS

Há cinquenta e nove anos venho assistindo conferências, palestras, seminários, defesas de teses, aulas sobre assuntos médicos.
Lembro-me da primeira palestra em que estive presente. Foi no Hospital Miguel Couto, à noite, no Rio de Janeiro. O palestrante foi o professor Nova Monteiro, com o tema “Traumas”.
Era o ano de 1955, e marcou o início de uma interminável rotina que cumpro até os dias de hoje.
Nesse pacotão incluo temas interessantes defendidos com brilhantismo por muitos mestres, e outros não tão atrativos.
Dia desses, aqui no nosso Conselho Regional de Medicina (CRM-MT), tive a oportunidade de presenciar a uma das mais brilhantes conferências da minha carreira médica.
Foi o relato da tese de doutorado do nosso conterrâneo, o médico José Pedro Rodrigues Gonçalves.
 “Cuidado original. Ética e técnica no final da vida.” Era o tema.
Didaticamente, durante setenta e cinco minutos, o erudito conferencista demonstrou todo o seu conhecimento de como exercer a medicina no século XXI.
Propôs mudanças avançadas, pregando uma nova relação do ser humano com a ética, a técnica, a vida e a mente.
No mundo dominado pela tecnologia, onde a medicina está impregnada com a ideia da sua eficiência, poucos suportarão  que este é o momento de abandonar a medicina dos protocolos fabricados pelas universidades, incentivadas pelas indústrias de equipamentos e medicamentos.
Tratar de um corpo doente não é atividade médica prioritária e, sim, cuidar do indivíduo para salvá-lo da doença.
Superar vulnerabilidades humanas inibe as doenças. Vida saudável é aquela que incorpora valores úteis à nossa qualidade de vida.
O médico moderno é aquele que consegue a aceitação do seu paciente.
O humanismo está sendo vencido em um setor onde nem sempre a tecnologia resolve.
Felizmente temos ilhas de avanços, como o grupo que trabalha com o tratamento compartilhado, onde a doença não é vista com uma patologia individual, e sim, do grupo familiar.
Para tentar alcançar a sua eficácia, todos os familiares devem se tratar com uma equipe multidisciplinar, ou dificilmente haverá a possibilidade de se recuperar a saúde perdida.
A educação mal conduzida produz neuróticos com sentimentos de culpa, e a dignidade das pessoas é um bem inegociável.
Lembrei-me muito do sábio Einstein. Dizia ele que não suportaria vivenciar o dia em que o humanismo fosse derrotado pela tecnologia.
Esse dia chegou. Só a educação de qualidade e para todos poderá nos salvar.

Gabriel Novis Neves
13-02-2014

* Publicado simultaneamente no www.bar-do-bugre@blogspot.com