domingo, 29 de novembro de 2009

Filosofia do cavalo

Em emocionante artigo a diretora de redação de um dos grandes jornais de Cuiabá relata a sua luta contra o câncer. No Dia Mundial de Combate ao Câncer (27 de novembro), a jornalista, que se identifica como sobrevivente de um câncer registra o que ela chamou de criminosas políticas públicas de tratamento no Brasil desta doença.

80% das vítimas desta doença dependem do Sistema Único de Saúde (SUS). 20% são pacientes da rede privada. Ficou evidente na análise da jornalista que existem pacientes de primeira classe (tratados em hospitais privados) e os de segunda classe (tratados pelo SUS). Ela confessa que está curada, porque era paciente de primeira classe. É a realidade vista por uma paciente.

Como médico há cinqüenta anos o meu cotidiano é o sofrimento humano. Participei recentemente de um congresso médico, e no seu final, prometi a mim não voltar mais a nenhum. É desumano para um médico dominar novas tecnologias e terapias, e diante de um paciente de segunda classe (80% da população brasileira), não poder utilizar aqueles conhecimentos. O pior é que se a classe médica reclama das condições oferecidas aos pacientes pobres ela é quase destruída pelos plantonistas do poder.

Acabo de saber que um paciente de segunda classe morreu por falta de um desfibrilador cardíaco. E a impotência do médico ante tal situação? Só lhe resta deixar o plantão e fazer um Boletim de Ocorrência (BO) na delegacia policial mais próxima, para não ser responsabilizado pela morte.

Minha mulher morreu de câncer, embora fosse passageira de primeira classe como a jornalista. É difícil acompanhar a trajetória desses pacientes “até a sua aposentadoria totalmente fora de hora”.

E o que fazem as nossas autoridades? Aplicam no orçamento da saúde a filosofia do cavalo na parada de 7 de setembro:

Andando, cagando e sendo aplaudido...

Gabriel Novis Neves
29-11-2009
* Publicado simultaneamente no http://www.bar-do-bugre.blogspot.com/

FELICIDADE

Sempre me interessei por este assunto e é a ferramenta principal que utilizo no pré-natal das minhas clientes. Há trinta anos, após vinte pesquisando o perfil das minhas gestantes, com a orientação de artistas plásticos, escultores, pintores e fotógrafos, montei o único consultório de terapia visual de Cuiabá.

A gestante acha que neste período de reprodução, fica feia. Tem receio de perder o interesse sexual do companheiro; apresenta dúvidas com relação ao tipo de parto; preocupações com a saúde do neném; insegurança se encontrará o seu médico quando em trabalho de parto, e finalmente, “medo” dos honorários do seu obstetra. Trabalho contra estes valores adquiridos no meio em que vivem as nossas futuras mamães, e procuro reverte-los, pois, com certeza, isto ajudará o futuro do seu neném.

Após o nascimento, sempre repito aos pais, que o único objetivo do recém-nascido saudável é reencontrar a felicidade perdida com a sua saída do útero. O útero materno é o céu que perdemos com o nosso nascimento. ”Jogados” ao mundo, imediatamente procuramos encontrar a felicidade. Desde que nascemos corremos atrás dela, mas a felicidade está sempre correndo atrás de nós.

”A felicidade é como a pluma que o vento vai levando pelo ar. Voa tão leve, mas tem a vida breve”- Vinícius de Moraes.

Mas afinal o que é a felicidade? Sempre tive dúvidas se sou ou não feliz. Lendo uma revista de circulação nacional fiz espontaneamente o teste da “Felicidade Interna Bruta”. O resultado para mim foi surpreendente! Eu não sou feliz, e sim, muito feliz - na contagem dos pontos do teste da revista.

Só me falta agora acreditar no teste e escrever o que é ser muito feliz.

Gabriel Novis Neves
28/11/2009


* Publicado simultaneamente no http://www.bar-do-bugre.blogspot.com/

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

CONVITE

Atendendo a um convite provocador da Sociedade Brasileira de Cardiologia – MT para proferir a Conferência de Abertura da IX Jornada de Cardiogeriatria de Mato Grosso e V Jornada de Geriatria e Gerontologia de Mato Grosso, fui estudar as desvantagens de envelhecer.

Confesso com toda a sinceridade que não encontrei nenhuma. Alguém poderá a esta altura pensar que eu “pirei” e preciso de tratamento psiquiátrico. Ledo engano. Estou muito bem “das saúdes”.

Com o acréscimo de vida aos meus dias sou forçado a enfrentar modificações fisiológicas facilmente controladas com a farmacologia moderna. O último problema masculino era a irrigação dos corpos cavernosos resolvida com o uso da pilulazinha azul, e nos casos mais graves, a prótese de silicone. Diabetes, hipertensão arterial, reumatismo, catarata, queda de cabelos e rugas, a tecnologia médica controla, e bem.

Chamar a terceira idade como “a melhor idade”, para mim é puro preconceito. Melhor idade é aquela em que você está bem.

Fui verificar as possíveis vantagens do idoso. Tenho que resumir ou publicá-las por capítulos - vou citar algumas dessas vantagens.

O idoso não paga transporte coletivo, quando o motorista de ônibus atende o seu pedido de parar. Não entra em fila de bancos e embarques em aeroportos; é chamado muitas vezes de: museu, história viva e vô. O prazo de validade do idoso tem que ser renovado anualmente - o que considero uma vantagem inegociável, por viver sempre com o combustível novo da iniciação. A vida é feita de ciclos: no início eles tem circunferências maiores, ao envelhecer estes ciclos são menores - o que é considerado outra grande vantagem do idoso.

Fecho um ciclo e imediatamente abro outro. Este ano ainda não findou e já fechei dois antigos e enormes ciclos. Nem senti as conseqüências destes fechamentos, pois outros ciclos já estavam se abrindo na minha vida. Nada parecido com o jogo de dama em praça pública, cadeira de balanço pelas calçadas, visitas para matar o tempo ou inúteis conversas sobre o passado.

Nada melhor para um idoso aparador de crianças, o privilégio de passar um final de semana entre cardiologistas, geriatras e gerontologistas.

É bom ter uma relação afetiva com esse pessoal, especialmente com o cardiologista, pois todos nós iremos morrer e no atestado de óbito constará como causa da morte – parada cardíaca.

Se o obstetra significa o médico do início da vida o cardiologista está muito condicionado ao final da existência. No meu caso tenho a sorte de ter um cardiologista no décimo primeiro andar do meu edifício e sou morador do vigésimo andar, bem pertinho do céu.

Envelhecer é o momento de colher tudo o que plantamos quando jovens. E digam-me se não é prazerosa a colheita?

Não preciso mesmo de tratamento psiquiátrico e sim de companheiros para compartilhar os frutos colhidos.

Envelhecer é bom.

Gabriel Novis Neves

16.11.2009.

* Publicado simultaneamente no http://www.bar-do-bhugre.blogspot.com/

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Ela tem razão

Uma famosa jornalista ficou impressionada ao visitar o Pronto Socorro de Cuiabá e classificou-o como campo de batalha. Não sei se a jornalista já tinha visitado o nosso Pronto Socorro ou outros por este mundo afora. É realmente impressionante o ambiente em um hospital de urgência e emergência. Ali as coisas nem sempre são como aparecem. Neste tipo de hospital não há possibilidade de planejamento.

Certa ocasião durante meu plantão no Pronto Socorro Souza Aguiar, no Rio de Janeiro, saí de ambulância para prestar assistência aos passageiros de um avião da Varig que se acidentara ao pousar no aeroporto do Galeão. Era dezembro de 1959, e entre eles estava o famoso historiador Otávio Tarquínio de Sousa. Todos os passageiros morreram. Alguns ainda com vida, foram transportados. Nesta hora não se pergunta se há vagas no hospital. É caso de extrema emergência e o ambiente do hospital é o de guerra mesmo.

Quantas vezes já conduzi pacientes gravíssimos, acidentados em vias públicas diretamente para o centro cirúrgico, independente de vaga. Muitos estudantes de Medicina abandonam o curso quando enfrentam esta realidade. A jornalista tem toda a razão quando ao fazer uma matéria sobre o Pronto Socorro Municipal de Cuiabá, disse que aquilo era um campo de batalha. Concordo com ela, é um verdadeiro campo de batalha para os pacientes gravíssimos que estão ali amontoados, para os médicos, para todos os trabalhadores de saúde, para a sociedade e jornalistas que realizam o seu trabalho de informar.

A Medicina não entra na lógica do lucro e nunca foi sacerdócio. A Medicina é uma profissão diferenciada das outras, pois cuida de seres humanos fragilizados. Não, e nunca admitirei, mesmo em situações limites, as “patadas dos médicos” no atendimento aos seus pacientes e familiares. Estes profissionais que assim se comportam, não são médicos, talvez técnicos em doenças e não devem “plantar favas” que são leguminosas cujo fruto é uma vagem ou legume que não suportaria uma patada. Matar as leguminosas ou maltratar alguém com patadas, não é ensinamento de Hipócrates.

O desespero extremo dos médicos do Pronto Socorro Municipal é conseqüência das condições adversas de trabalho a eles oferecidas. Ao contrário do que muita gente pensa, o médico nestas situações é pouco útil aos seus pacientes. O médico participa do processo de cura quando competente e humano tem condições de trabalhar com dignidade em um cenário de solidariedade. No momento em que inexiste essa situação, continuar enganando a população é crime hediondo. O correto é parar, denunciar e propor soluções. Seria o médico um patife ao participar desta tragédia, com um silencio inaceitável, tradutor da falta de compromisso com a população e a ética. A finalidade principal da Medicina é a promoção da saúde e a sua prevenção, assim como cuidar das situações de urgências e emergências. Ter um filho médico foi um sonho da baixa e alta burguesia.

Hoje, os países do primeiro mundo importam estes profissionais (médicos) e terceirizam os seus serviços auxiliares, principalmente os de imagens, com os países emergentes. As faculdades de Medicina não irão nunca ensinar humanização aos seus alunos, podem até tentar. Esta disciplina é aprendida em casa. Quando o estudante procura a Universidade para se profissionalizar através da instrução, o seu caráter já está moldado com os valores adquiridos no meio em que viveu.

O caos da saúde pública no Brasil, Mato Grosso e Cuiabá é responsabilidade dos nossos políticos – que foram eleitos por nós – dos médicos e da sociedade produzindo sofrimento, especialmente na população mais pobre e necessitada.

A jornalista tem razão.

Gabriel Novis Neves
06-11-2009


* Publicado simultaneamente no http://www.bar-do-bugre.blogspot.com/

terça-feira, 17 de novembro de 2009

ACABOU !

Com a intervenção direta do Tribunal de Justiça do Estado, terminou o movimento dos médicos de Cuiabá por melhores condições de trabalho, dignidade e humanismo nas relações - paciente – médico - burocratas. Foram mais de sessenta dias de sofrimento para os médicos, e principalmente, para aqueles que não falam e que ninguém fala por eles.

Foi apenas uma etapa vencida. O mais difícil está por vir. Criou-se uma expectativa enorme na população, que com três milhões de reais teríamos a maior reforma da história do Pronto Socorro de Cuiabá, e que com outros três milhões adquiriríamos equipamentos tecnológicos de última geração.

Pura propaganda enganosa, e o mais importante nem foi lembrado: a qualificação e valorização dos trabalhadores da saúde. Alertei aos meus jovens colegas que o governo fará tudo para passar à população, que o que os médicos desejavam era só um aumento de oitocentos reais mensais no seu holerite. Isso já está sendo martelado a peso de ouro nos informes publicitários, oficiais e nas entrevistas dos burocratas. E a verdade não é essa. Nunca em cinqüenta anos de Medicina presenciei um movimento de médicos como o de agora. Garanto que não houve motivação política e sim despreparo dos burocratas para enfrentar este sério problema social.

O resultado foi a catástrofe que vivemos. A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Saúde criada pela Assembléia Legislativa é um instrumento, que bem trabalhado, contribuirá em muito para a melhoria da Saúde Pública, não só de Cuiabá como de todo o Estado. Ficará para a história da Medicina o relatório final dessa Comissão. Acredito no compromisso dos membros da CPI com a população deste Estado. Ela tem tudo para mostrar o “Santo” como ele é.

Um jovem hoje só procura ser médico para tornar-se agente de mudança social. Medicina não é mais um curso de status ou de remuneração diferenciada. O médico moderno participa da realidade em que vive, e está em todos os grotões com a população nos seus momentos mais difíceis. Um trabalho coordenado e organizado dessas “formiguinhas” pode alterar este cenário de desumanização.

Acabou o movimento. Mas o trabalho do médico continua, em busca de novas conquistas sociais.

Gabriel Novis Neves
16/11/2009

* Publicado simultaneamente no www.bar-do-bugre.blogspot.com

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Até quando?

Oficialmente há sessenta dias estamos sem os serviços públicos de urgência e emergência. Inaceitável em uma capital de Estado rico e pólo de atendimento de um milhão de pessoas. E nada de objetivo se faz para resolver esta calamitosa e desumana situação. O salário humilhante de oitocentos reais pago aos médicos já chegou a mil e oitocentos reais por mês. Mas as condições mínimas para o exercício digno da medicina não existem.

A reforma física do nosso Pronto-Socorro ficará em torno de três milhões de reais. Só com a demolição do Verdão o Governo estadual gastará oitenta milhões de reais, segundo notícias da mídia. Para equipar o novo Pronto-Socorro estão estimados mais três milhões de reais. O projeto do novo estádio de futebol custou vinte milhões de reais ao tesouro público.

Dinheiro, o Governo está demonstrando que tem e de sobra. A pergunta que nos incomoda é: “porque não se trata os problemas da saúde como se trata os problemas do futebol?” Infelizmente tenho que acreditar que a saúde pública não é prioridade neste Estado.

A paciência da nossa pacata população está no limite. Se eu for destacar as tentativas governamentais para resolver este sério problema de saúde pública, mesmo a contra gosto entrarei na página do humor. Virou moda, nesta outrora briosa Cidade Verde, diante de um problema terceirizar o serviço. Já pertence à história o tempo do “morrer se possível” para se implantar uma civilização.

Houve uma tentativa de se entregar as obras do PAC ao Exército Brasileiro - que não aceitou. Com a crise da saúde, pensou-se em entregar ao judiciário a gerência dos problemas já que há muito as internações hospitalares e medicamentos aos pobres são funções da justiça. Com a ausência dos cirurgiões nos boxes do Pronto-Socorro, chamou-se uma empresa de saúde com nome de museu – MASP, do Rio Grande do Sul, totalmente desconhecida em Porto Alegre e conhecidíssima aqui.

A solução salvadora encontrada pelo Governo Estadual foi jogar o problema da urgência e emergência para o privado Hospital Geral Universitário (HGU). Outro hospital universitário do Governo Federal – Hospital Universitário Júlio Muller (HUJM), não aceitou a deferência governamental. O HGU nem pronto atendimento possui. O pronto socorro do HGU é o fechado e em crise, Pronto Socorro de Cuiabá.

Estou acreditando que o Governo Estadual gostou da idéia do MASP, e está criando o seu MASP em Cuiabá, que é o HGU. Não vai resolver o problema da população pobre. Na primeira semana da alternativa estadual, as estatísticas estão aí: desastre total. E o pior é a vaidade das autoridades em não admitir que erraram mais uma vez. Fizeram política partidária na saúde, e o resultado veio a galope.

Gabriel Novis Neves
04 de Novembro de 2009


* Também publicado no www.bar-do-bugre.blogspot.com